Monday, July 28, 2014

A confissão que já se impunha



Na agenda cultural da 1ª temporada do El Corte Inglés Portugal, a confissão que já se impunha: 

O que eu me lembro é isto. Uma tarde em que chovia muito. Eu tinha 10 anos. Minto. Eu tinha 9 anos. Minto. Eu tinha, 8 anos. Nessa altura, lembro-me bem que se falava muito ainda na guerra fria e no terceiro segredo de Fátima que todos vaticinavam ser a terceira grande guerra. Já então não queria morrer nem que o mundo o fizesse.

Eu tinha 8 anos recordo-vos e no Natal e também no verão, a minha família toda, a família Alvim reunia-se em Melgaço. Acho que nunca fui tão feliz como nesses dias. Não sei, talvez tenha sido. O que eu sei, é que num desses dias, havia um ritual que sempre fazíamos: Íamos a Vigo. Íamos a Vigo fazer compras ao El Corte Inglés e pelo meio, obrigava o ritual, havíamos de parar para fazer um piquenique em local próprio. Nada de beiras de estrada, nada de exibicionismos tacanhos, mas sim um daqueles locais com mesinhas de pedra e arvoredo em volta.

O que agora me recordo é que eram 3 carrinhas de 7 lugares que levavam toda aquela gente e que ao passar da fronteira, pelos guardas fronteiriços, havia um silêncio respeitoso, pior, havia um medo, como se tivéssemos a contrabandear tabaco ilegal e na iminência de ali ficarmos retidos, para todo o sempre. Esqueçam este desabafo, voltemos ao piquenique e à tarde em que chovia muito. Estávamos todos esganados de fome, no carro todos os alvims juniores perguntavam “ ainda falta muito? Ainda falta muito? E quando finalmente as 3 viaturas pararam e assim mais nada faltou, quando foi o chegado o momento de alguém pegar na gigante lancheira onde toda a espécie de iguarias de encontrava - desde panadinhos de peru a presuntinho pata negra – tudo isto ouçam, tudo isto voou pelo ar como num filme do Tim Burton. Como assim? Pois bem, bastou a minha tia Fernanda tropeçar em algo que ainda hoje várias perícias policiais não conseguem explicar e tudo aquilo, os panadinhos, o presuntinho, os pãezinhos, a mortadela, o queijinho, as azeitoninhas, ouçam-me bem, olhem bem nos meus olhos: tudo aquilo voou pelo ar, e o pior, é que perante a fatídica lei da gravidade começou a descer, caindo e rebolando pelo chão alagado e cheio de gravilha e caruma. Os alvins olharam-se todos uns aos outros e riram-se muito. A tal ponto que estou a escrever isto e estou a rir-me também. A verdade é esta: 3 segundos depois, já pouca comida sobrava no chão. E não há memória de a ver na mesa.

Hoje quando vou ao corte inglês – e atenção que tenho cartão e tudo, sou um senhor distinto bem se vê – é disto que me lembro, do piquenique em que tudo caiu pelo chão, dos produtos em casa que diziam “ cêrbessa, quésso, crema de ducha”, dos meus tios de Melgaço, da minha família toda junta e da extraordinária possibilidade de viver tudo isto de novo. Vem aí a primavera e há toda uma agenda para cumprir no el corte inglês.

Sou aluno do Cervantes – estou no segundo ano, muito respeito por favor que sei dizer coisas como “ ?que hora es” ou “ no se preocupe.tome asiento” – e fico sempre curioso para perceber o que vai acontecer nesta agenda. Vou tomar asiento e ver então as novas.

Fernando Alvim

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