Friday, January 11, 2013

Estreou hoje BALANÇO VITAL, a minha nova rúbrica para o jornal Metro


O seu objectivo é que o convidado faça um balanço da sua vida, com 5 factos que lhe tenham acontecido (ou em que estivesse envolvido ou que o tivessem marcado de algum modo) e outros 5 que se propõe ainda realizar (instalar a paz no mundo, comprar uma quinta no Alentejo, sonhar com uma mala da Chanel). O brilhante e reluzente (como o demonstra cabalmente a foto) António Costa Santos é o primeiro convidado. E não podia ter havido melhor escolha. Eis as respostas:

Momentos áureos, motivos de orgulho

1. Em 1992, em Maputo, estava a comer um bolo de arroz, num café, e vi um puto a salivar, pela montra. Disse ao empregado: Dê um bolo a esse puto, pago eu. E o empregado disse-me: Não faça isso que ele nunca mais o larga e vêm aí mais cem pedir-lhe bolos. E eu insisti. E ele contrariou-me. Chateei-me e comprei vinte bolos de arroz.  Saí e dei o embrulho ao puto. Eh pá, foi glorioso ver aqueles olhos! E, como estava em serviço do jornal, pus a despesa nas contas, obrigando o patrão a fazer uma boa acção, que, desconfio, nunca faria se não fosse eu. Duplo orgulho.

2. Em 1973, nas Berlengas, adormeci e perdi o último barco da temporada para Peniche. A partir daí só à boleia da Direcção de Faróis. Tinha 16 anos e estava tramado. Esgotaram-se-me os mantimentos e comi gaivota assada (sabe a atum). Fiquei sem água potável e dei a volta ao faroleiro para me dar de beber. Ou seja, desenrasquei-me numa ilha deserta e sobrevivi até ser resgatado.

3. Sempre fui muito maricas com dentistas, análises e coisas do género. Em 197?, ia enrolado com uma namorada giríssima, a passear na Baixa, quando, de súbito, vejo um camião do Instituto Nacional do Sangue estacionado na Praça da Figueira. À conversa, a giríssima informou-me que era filha de um grande dador de sangue. Estúpido, fui dizer-lhe que também eu era dador de sangue praticamente desde bebé. E dás regularmente?, perguntou-me ela. Oh pá, é quase todas as semanas, respondi eu. E esta semana, já deste?, perguntou-me com voz rouca. E eu, em vez de dizer, Ainda ontem dei três litros, saiu-me um Não. Resultado, tive de ir fazer o meu donativo de imediato, para poder continuar o enrolanço. Orgulho-me muito de não ter desmaiado à sua frente, se bem que me envergonhe nunca mais ter repetido a experiência.

4. Nos anos 80, era chefe de uma estagiária de jornalismo, cujo nome omito porque é hoje uma considerável figura da comunicação social nacional. Dei-lhe um tema para uma reportagem e fiquei à espera. Quando ela a escreveu, verifiquei que a sua escrita ainda estava muito tenrinha e que a jovem tinha estragado um tema muito interessante. Como sempre me gabei de ser o melhor chefe do mundo, peguei nos dados que a miúda tinha recolhido, mais as declarações deste e daquele, e reescrevi a coisa. Mostrei-lhe, ela gostou muito, publiquei com a sua assinatura e, daí por uns meses, a estagiária ganhou um prémio de revelação de jornalismo com aquele trabalho. Foi o único prémio que tive em trinta anos de carreira e do qual secretamente me orgulho, apesar de a ingrata não me ter agradecido, nem com um beijo, o que era o mínimo.

5. Em 1977, fui em serviço de um jornal a um jantar de gala da embaixada do Japão. Nunca tinha participado numa refeição tão formal e acho até que me sobravam talheres, embora tenha sido criado em berço de oiro. Para a sobremesa, escolhi um pêssego lindo e provavelmente saboroso. Digo provavelmente porque não cheguei a prová-lo. Quando ia a trinchar uma fatia, toquei com a faca no caroço e o sacana disparou mesa fora, a voar de lado e a arrasar o que encontrou pela frente, sobretudo copos de vinho, que se entornaram sobre formosos colos e não menos belas gravatas. Orgulho-me de três coisas: uma é que contive o riso,  o qual teria sido deslocado na ocasião; duas é que fingi que não se tinha passado nada de especial e tirei uma banana da corbeille; três é que guardei segredo até hoje e não contei nada na redacção.

Projectos Maravilhosos

1. Ainda um dia hei-de ir para um sítio qualquer e passar uma semana no seguinte regime: ir para a cama quando me der o sono, dormir o tempo que me apetecer, sem ser acordado por ruídos, ou luzes, ou despertadores; comer quando tiver fome e não a horas certas; e, no resto do tempo, ouvir música aos berros, ver passar navios e namorar com a minha amante dos últimos vinte anos.

2. Ainda um dia hei-de ter dinheiro para meter a família toda (e os que venham a integrá-la entretanto) num barco e dar a volta ao mundo pelos oceanos.

3. Ainda um dia hei-de tirar um curso de medicina, dedicar-me à investigação e descobrir a cura para a Sida, para que os meus filhos e netos possam ir para a cama com quem lhes apetecer, sem preocupações de maior, como eu fiz até aos anos 80.

4. Ainda um dia hei-de ter uma conversa a sós com um Presidente da República que eu cá sei e dizer-lhe o que realmente penso dele, da sua actividade política e, em calhando, devolver-lhe todos os insultos que me tem feito.

5. Ainda um dia hei-de ter uma secretária pessoal que me arrume os papéis, que me trate das burocracias, que me impeça de ignorar os avisos das Finanças e assim não pagar multas, que me despeje a máquina da loiça e arrume os taparueres como deve ser, sem estarem sempre a ruir dos armários, ou a perder as tampas, e que mantenha sempre cheio o depósito de água da máquina de café. Afectuosa, agradável à vista, pode até ter seios generosos, mas nada de sexo, que isso é com a minha amada. Relação puramente profissional. Pagamento a condizer.

António Costa Santos nas Berlengas, em 1973

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