Friday, November 30, 2012

Blog Memória I

É como na RTP Memória mas aquele chuvisco irritante no ecrã, do tempo das antenas nos telhados: semana a semana, vou recuperando um texto publicado por aqui há uns tempos. O de hoje é uma entrada de 31 de Janeiro de 2008 - um dia, suponho, nublado.

Até Quando?


Foi de um dia para o outro, não sei precisar bem quando, mas de repente Portugal tornou-se num país incómodo. Não para os outros países – como seria desejável - mas curiosamente para ele próprio. Portugal vestiu uma daquelas camisolas de lã ásperas, que em contacto com a pele, nos fazem levar a mão à gola vezes sem conta, como se tivéssemos deixado cair migalhas na cama. Portugal deixou de dormir bem, acorda ao mínimo barulho, duvida de tudo e de todos e, ironia das ironias, dúvida dele próprio. Houvesse um psicanalista para países e o nosso território estaria esparramado no divã a salivar da boca.

Portugal tornou-se num patrão mau que vê nos funcionários dos outros o exemplo a seguir. “Os outros é que são bons!”- nós não prestamos para nada, como aquelas mães que insistem em dizer “ Eu nunca vi um filho como este!” não percebendo que nunca tiveram outros e possivelmente nunca terão. Portugal arrisca-se a perder o que melhor tem, precisamente o seu “eu” que edificou a Portugalidade que até então, nos diferenciava.

Portugal é agora um pai severo que em caso de dúvida, não havendo quem se acuse, castiga todos por igual e tira-nos a playstation, inibe-nos de sair de casa todo o fim-de-semana quando queríamos ir jogar à bola, deixa-nos na sala de aula sem direito a recreio. Portugal, que era uma avó boa que nos dava rebuçados flocos de neve transformou-se no padrasto severo que só sabe dizer “ Tu tens que estudar! Tu tens que ter um curso!”

Para todos os efeitos, os Portugueses que – já viram o aborrecimento! – são os habitantes de Portugal, são olhados pelo estado como uma criança mal comportada para a qual é necessária, essa coisa bem bonita que em tempos foi usada pelos regimes bolcheviques. A reeducação. Isto é, teremos que começar tudo de novo, do zero, esquecer tudo o que aprendemos e de preferência, o que somos, para nos transformarmos numa outra coisa que, deus queira, seja muito distante dessa enfermidade que sofremos ao ser portugueses.

E ainda assim, muitos são aqueles que reagem como a mulher que leva porrada do marido e regressa a casa, ainda de lágrimas nos olhos, dizendo à vizinha do lado “ Ele até tem razão, eu sei que é para o meu bem!” quando sabe também, que daqui a pouco, mais pela noitinha, ouvirá o silvar do cinto a desprender-se das calças enquanto se questiona “ Até quando?”

Talvez por isso, Portugal arrisca-se a ficar em casa sozinho, a ser abandonado pela mulher que até então lhe era fiel, por perceber que este já não lhe merece o mínimo respeito, por amargamente concluir que este já não lhe bate porque gosta dela. Portugal bate em nós, porque não gosta de nós caramba, porque os outros é que são bonitos, porque os outros é que fazem bem – tão bom que era se fossemos todos finlandeses, todos loirinhos com narizes asseados, tão bom que fossemos outros e não nós, que ainda somos Portugueses.

E um dia virá, que Portugal precisará – imaginem só – de nós. E tal qual o filho que vê que nunca teve culpa de ter aquele pai, Portugal perceberá que foi abandonado pelos Portugueses, percebendo agora que os finlandeses, não estarão ao lado da cama para lhe segurar a mão.

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