Friday, February 22, 2013

BLANÇO VITAL - no METRO


Cá vai mais um BALANÇO VITAL. Desta vez, falámos com o escritor, dramaturgo, actor - e muitas coisas mais - Nuno Costa Santos. Ora leiam.


5 Coisas que Já Fiz

Fui, na pré-adolescência, Vice-Campeão Nacional de Judo, em representação do Judo Clube de Ponta Delgada.  É algo que pouca gente sabe, a não ser os meus pais, a minha namorada e os tipos a quem dei uma coça naquela manhã congelada de Inverno. Os meus filhos ainda não conhecem esse dado do currículo paterno – quero gastar este crédito para quando tiverem mais uns anitos e me confrontarem com a circunstância de ter escolhido a escrita como modo de vida. “Não tens vergonha de passar o dia em frente ao computador a escrever histórias?”. Tenho. Mas olhem as medalhas do pai.

Escrevi uma redacção sobre uma nota de música que acabou por falecer. Muito elogiada na sala de aula pela professora de português, circulou de turma em turma, como acontecia com outros textos que escrevia nesses primeiros anos do liceu (temos de ter jeitinho para algum departamento). Era a resposta ao desafio para escrevinhar uma obra-prima que terminasse com a frase “A música acabou e ela morreu”. Foi a concurso nuns Jogos Florais. Nada venci. Quem ganhou um prémio foi a minha irmã, com um texto muito bonito, de temática amorosa. A minha irmã não estava no momento de entrega dos prémios – ao contrário de mim, certo de que iria ganhar alguma cenourinha. Denunciei-me no local: “Ela não está mas estou eu, que sou o irmão”. E lá levei um prémio para casa.

Fui magro. Ter sido magro é dos feitos que mais orgulho me trazem. Como é que fui capaz? As universidades americanas que tratem de estudar o meu caso. O ponto é que sempre comi generosamente bananas mas até certa altura as bananas não engordavam. Um mistério da ciência. Já fui tão magro que sentia vergonha em ir à praia. A vergonha manteve-se uns anos mais tarde, mas pelo motivo contrário.
Ofereci uma cassete de canções românticas a uma colega do primeiro ano da Faculdade. Comecei por gravar uma cassete amorosa para uma moça pela qual estava enamorado, apesar de não falar com ela (típico). Acabei por oferecer essa mesma cassete a uma outra moça, pela qual me apaixonei uns meses depois (típico). A cassete, lembro-me, tinha belas baladas de “música alternativa” e alguns separadores com o Steven Brown a dizer poemas do romântico John Keats. A segunda rapariga acabou por agradecer a oferta: “Gostei muito”. Nem uma bica numa roulotte tomámos juntos.

Já acendi uma lareira. É dos feitos que mais orgulho me trazem. Aconteceu há três anos num fim de ano em Estorãos, no Minho, numa casa rural. A minha falta de jeito prática levava-me a pensar que nunca seria capaz de tamanho gesto. Mas fui. Com um problema grave: ninguém viu (nem a minha namorada, embrulhada numa crise de sinusite) e provavelmente serei incapaz de reproduzir o feito. “Acende lá aí outra vez para a gente ver se é verdade!”. E, pumba, lá se vai o edifício todo, debaixo de umas monstruosas e desajeitadas chamas. 

5 Coisas que Quero Fazer 

Assistir a um concerto dos My Bloody Valentine. Já vi concertos de Cure, Stone Roses, Go-Betweens e Mark Kozelek (dos Red House Painters). Falta-me ver ao vivo a mais barulhenta das bandas que me fizeram companhia na adolescência (tornou-se mais tarde conhecida por musicar o “Lost In Translation”, da Senhora Dona Coppola). Fui a Dublin, terra-natal desta matilha de almas delicadas, mas, mistério dos mistérios, apesar de ter encontrado o Museu dos Escritores, não topei uma Casa Museu My Bloody Valentine – imagino-a uma casa deserta habitada, numa única divisão, por um tipo com uma generosa franja que toca a sua guitarra eléctrica sem nunca olhar para os visitantes. Deprimente? Queria tanto ir lá.

Voltar a chorar ao ver um jogo de futebol. Que é como quem diz: voltar à infância, aquela em que lacrimejava com os golos do Liverpool ao Benfica, sofridos pelo eterno Bento. Quem habita o Fun Center futebolístico, comprando jornais desportivos e visitando os estádios aos domingos, sai um pouco deste frenesi informativo, onde os adultos andam às turras. Sai da vidinha. Tem licença para delirar. Para gritar. Para festejar. O árbitro é o único adulto chato nos jogos de futebol. O resto, até os mais antigos adeptos do também meu Belenenses, são meninos que felizmente se recusam a crescer.

Aprender a cozinhar. Sou bom a comer – a cozinhar nem tanto. Gostava de me fazer ao caminho. De evaporar o bloqueio e expulsar a preguiça. De me concentrar no fabrico dos sabores, tarefa que admiro em que o consegue naturalmente. Esperam-me tornedós, favadas, cozidos. Para complementar pode vir um curso de vinhos. Para existir sempre um copinho fino, em cima do mesão da cozinha, a acompanhar o artista. 

Quero ir ao Brasil. Parece uma letra de uma música, eu sei, mas é projecto sincero.  Sinto que me dou bem com aquela cultura e que aquela cultura se dá bem com a minha – pelo menos a julgar pelos mimos e outros galhardetes trocados via web.  O que é que quero fazer no Brasil? Visitar as ruas de Nelson Rodrigues, passear nas praças de Rubem Braga, cheirar o ar de Drummond e de Manuel Bandeira e dar um abraçaço ao Caetano (diz que ele anda solto, sem escolta). Ver as moças? Também.

Ser melhor pessoa. Não tenho a ambição de ser santo – Deus nos livre! – mas gostava de não arder tanto com as aftas da vida. Sei que, por exemplo, a irritação é necessária, que quem não se sente limpa a alma com detergente, mas tenho o desejo latino, impossível de concretizar, de ser mais oriental – não no sentido daquele ministro japonês cuja cabeça está a prémio nos lares de todo o universo. Os meus compatriotas ensinam-me a ser muito boa pessoa uma vez por ano, naquela iniciativa do Banco Alimentar Contra a Insensibilidade Social, mas eu gostava de ser voluntário todos os dias. Cinco minutos por dia, vá. 


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