Thursday, September 27, 2012

Uma vida inteira


Quando nós acabarmos, o mundo vai prosseguir como se nada tivesse acontecido. Por mais que nos custe – e custa pois - é isto que vai acontecer. Isto é, passamos uma vida inteira com medo que o mundo acabe e, invariavelmente, acabamos muito antes dele. Não adianta pensarmos que será de outro modo, que a partir daí o mundo parará para chorar a nossa ausência, que as televisões se apagarão em gesto fúnebre, que as ruas ficarão desertas, que os países – todos eles- entrarão num luto eterno. Não pensemos nisso, morrer é como ter uma lesão grave durante a final da taça dos campeões: por pior e imprevisível que seja, é necessário uma substituição porque o jogo irá continuar. Melhor ou pior, alguém nos irá substituir para entrar no relvado. A diferença é que ao contrário de um jogo de futebol, morrer não nos possibilita uma recuperação, mesmo que dura e penosa, e o regresso aos campos para alegria do povo. Morrer é descalçar as botas para sempre e dizer adeus aos estádios, morrer é ir naquela maca, naquele carrinho maqueiro, fingindo estar lesionado só para ganhar tempo, piscando o olho a quem nos vê na televisão, agradecendo a todos pelas ruidosas palmas, levantando a mão sem o árbitro ver e dizendo adeus e mandando beijos para as senhoritas. Morrer é o fim do jogo, a diferença é percebermos se o ganhamos ou não. O mundo, tal qual o Manuel de Oliveira, nunca se irá acabar. Nós sim. E o que fica de nós é toda a obra que faremos depois disso. Daí muitas pessoas só serem reconhecidas após o desafortunado falecimento, porque é muitas vezes depois de morto que se tem que trabalhar mais. Duvidam? Não o façam. Nós somos muito mais o que morremos, do que aquilo que vivemos, porque por mais anos que estejamos vivos, estaremos sempre muito mais tempo mortos. E só isso explica porque muitos escritores, pintores, cientistas, pensadores e tantas outras pessoas só tiveram o devido reconhecimento depois da morte? Pois bem, porque tiveram a partir daí muito mais tempo. Porque a vida começa muitas vezes depois de morrermos. E só quem já tiver morrido é que percebe isto. Aposto que esses estarão neste momento a abanar a cabeça de cima para baixo em sinal de absoluta de concordância.  

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

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