Friday, July 27, 2012

Inquéritos de Férias do Jornal Metro


E desta vez, as respostas são de Patrícia Reis, escritora e editora da EGOISTA. Ora vejam:

Umas férias
Na cama, enrolada em almofadas, com uma barra de chocolate à mão. Também tenho um comando que serve para desligar o mundo. A ideia é fazer de bela adormecida: tudo parado à minha volta e eu a trocar as voltas à história e ficar acordada.

Uma ideia
A cama tem vários patamares, é uma cama para cada estado de espírito. Cada uma muda o mundo e a nossa cabeça por artes que são misteriosas e não se questionam.
 
Uma asneira
A maior asneira de todas é sair da cama, pensar que se pode mudar o estado das coisas ou o estado a que chegámos. Assim, tornar a cama o nosso mundo faz muito mais sentido. Isto não quer dizer que não se trabalhe. Na cama fazem-se muitos trabalhos, além de sexo (que pode ser um trabalho ou um prazer) podemos ler, escrever, pintar, pensar. Pensar seria uma grande ideia para o país.
 
Uma paixão
A paixão pelas palavras faz com que estas se agrupem e formem pensamentos e isso é perigoso. Se tudo se passar numa cama, mesmo numa cama com patamares diversificados, podemos, num repente, ter uma iluminação e perceber que o nosso corpo consegue ir mais além, que é possível descansar cantando ou ouvindo música. A paixão deve ser egoísta. Mesmo que implique terceiros. Alguém que partilhe a nossa cama, que nos faça tremer, é uma borboleta que abana as asas e provoca um furacão, já se sabe. É quase uma banalidade. Mas se não existissem borboletas como é que acreditávamos na possibilidade da mudança?

Uma curiosidade
As borboletas têm uma vida curta, ouvi num documentário na televisão. Não gosto da ideia. Prefiro pensar no que elas nos ensinam e na forma como podem pousar no nosso peito.  
 
Uma pergunta
Porque é que os homens pensam e escrevem sobre amor e estão a escrever sobre a condição humano ao passo que, no caso das mulheres, são apenas histórias românticas? Quem é que lê os críticos que dão estrelas ou que são da Opus Dei e acham que não podemos escrever sobre Deus? Todas estas interrogações se fazem dentro de uma cama, evidentemente.

Uma resposta
Na cama ouvi
Ela: Não te amo mais. E ele: Desde quando? E ela: Desde agora.
 
Uma lição
O amor dentro de uma cama tem o condão de ser espontâneo ou previsível e pintamos o tecto de bege? Sim, é o que diz o cliché. A verdade é que dentro de uma cama, a dois, o amor pode ser apenas o silêncio. Ninguém valoriza o silêncio. Todos se ocupam e preocupam em pontificar, queixar e fazer barulho. Já ninguém sabe ouvir o outro. Nem debaixo dos lençóis.
 
Uma aventura
Na tal cama sonhei que estava com o Bruce Willis a fugir de um míssil teleguiado. Quando acordei a vida era a de sempre. Faz-nos falta um pouco de aventura.
  
Um segredo
Há camas que são uma merda. Outras que são encantadoras. E há camas que se fazem e nos levam ao mais fundo dos fundos. Paciência? Sim. Às vezes - a maioria das vezes - é bem feito, porque Deus não dorme.
 
Uma invenção
Esta cama - uma cama que Deus não tem - é giratória, como aquelas que se encontram nos motéis, encontros de 30 minutos a 70 euros (esta tabela de preços inventei agora mesmo). É uma boa forma de ver o mundo. A cama gira e pouco importa se está por fazer ou vazia. Pelo menos tenho cama (é o equivalente ao copo meio cheio ou vazio, dá-se graças por se ter um copo).

Um desabafo
Nesta cama não entram bolachas por causa das migalhas. Há pessoas que têm essa pancada. Eu comi dois pacotes de bolachas e não engordei um grama. O meu corpo ocupa o mesmo volume e gira, gira, gira. Por isso estou tonta e um pouco farta desta espécie de inquérito que, afinal, não é para ser um inquérito mas uma vitória do Alvim que concretiza o seu sonho erótico com os questionários de verão. 
 
Um problema
O Fernando Alvim não é um problema, apesar de a mãe o ter avisado: filho, escolhe outro caminho. Como ele é quem é, não tem espaço na minha cama, mas pode sentar-se perto e partilhamos as bolachas. O chocolate não divido com ninguém.

Uma questão
E, tendo a cama, os patamares, os livros para ler, as palavras para coleccionar, o computador e o comando da televisão mesmo à mão, como é que tenho tempo para estas coisas?

Patrícia Reis em Orlando.

No comments:

Post a Comment