Sunday, March 25, 2012

O mundo não é um menino bonito


Tenho vindo a reparar que o mundo estático está sempre a sorrir. E é uma coisa universal. Por todo o lado, na rua, nos aeroportos, nas revistas, nas paredes largas, há cartazes com pessoas a sorrir, manifestando uma alegria imensa naquilo que nos propõem ou que ali nos revelam. E eu, assim que os vejo, ponho-me a imaginar como será a vida daquela senhora que me oferece os serviços de rent-a-car como quem promete ser-me fiel a vida toda, penso o que será daquela família inteira tão sorridente, tão perfeita, tão bonita, que me convida a visitar o México ainda este Verão, daquele jovem que sorri enquanto faz abdominais e me pergunta se estou preparado para ter uma relação. A minha pergunta é esta: e depois daquela foto? Pergunto: Para onde terá ido aquela família? Seriam assim tão felizes quanto pareciam ou seria mais uma dessas famílias disfuncionais em que há sempre um tio que acaba bêbado nos casamentos? Ou será uma dessas famílias que só está bem quando ouve o som do flash? E aquele homem? Aquele homem que me pergunta se estou preparado para ter uma relação? Mas como é que ele sabe que isso por vezes me atormenta, como adivinhou isso, quem julga ele que é para me fazer uma pergunta tão íntima quanto está no meio da rua. E mais do que isso, saberá ele o que é uma relação, o que implica uma relação, viver a dois, acordar juntos, viver o dia todo, no final dormirmos juntos, acordar com muita pressa e chegarmos a casa com um dia inteiro na pele e a ânsia de percebermos o que haverá ao certo no frigorífico. Eu não sei se este rapaz saberá o que uma relação implica, nem a tal família perfeita e feliz, nem a rapariga do rent-a-car que nunca nos enganará. O que eu sei é que o mundo, quando está estático, tem um sorriso imenso, largo e branquinho. O problema – e este é que é problema – é quando este se move na cama, mexendo os lençóis e destapando-nos e fazendo-nos ficar ao frio. O problema é quando este se descompõe após a fotografia, quando devia ficar quietinho e ser um menino bonito de que os pais se orgulhassem. Mas o mundo não é um menino bonito. E pelos vistos não quer ser, o maldito garoto. E era tão melhor. Se o mundo fosse uma fotografia estática, se o mundo não se mexesse tanto. Seria tudo muito mais feliz, os sorrisos seriam tão mais perfeitos e reluzentes, a vida tão melhor, os problemas tão menores. Mas o problema é que o mundo se move, mexe-se, não sabendo estar quieto, tal qual uma criança hiperactiva. E o resultado disto é justamente o mesmo quando nos mexemos ao tirarmos uma fotografia: estragamos tudo. E muitas das vezes ficamos mal e de olhos fechados. O mundo devia, por isso, ser estático como esses cartazes que nos prometem coisas e nos assediam para termos relações. O mundo deveria ser uma fotografia perfeita, um menino bonito, portanto.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no Jornal i

1 comment:

  1. para alem e bem alem(da concorrencia) faz o fernando alvim acontecer sorrisos mudos que ninguem vê . Obrigado por tudo o que nos tens dado.

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