Sunday, March 18, 2012

A felicidade faz-me infeliz


A inteligência não traz felicidade, bem pelo contrário, contamina-a, infecta-a, torna-a vulnerável a toda a espécie de vírus e pólenes que irritam os olhos e febres do feno, que nunca soube bem o que eram nem nunca irei saber. A felicidade faz-me infeliz e a inteligência também. Daí que resista a tudo para não ser muito feliz e também não ser muito inteligente. O que de resto faço sem o menor esforço.

Basta-me um bocadinho de cada uma das coisas e estou muito satisfeito. Os nutricionistas já dizem isto há imenso tempo. Que se não se deve comer até enfartar, isto é, deve fazer-se uma refeição equilibrada, mas – e aqui é que está o segredo, obrigado Isabel do Carmo, obrigado Póvoas, obrigado Teresa Branco – deve deixar-se uma réstia de fome, para que haja sempre vontade de comer. Daí que desconfie tanto das pessoas imensamente felizes.

Olho para elas como um inspector da PJ perante um presumível criminoso e apetece-me fazer-lhe perguntas em tom intimidatório: ouça lá, como é que consegue estar com essa felicidade toda às 7:30 da manhã? Responda, homem, como é que vai de fim-de-semana com toda a família da sua mulher e consegue estar ainda assim com toda essa boa disposição? E posto isto, como qualquer inspector da PJ das séries portuguesas, acendo um cigarro e falo ao telefone sobre o meu divórcio.

Às vezes, o melhor é emburrecer para sermos mais felizes, e num mundo tão rápido, onde ninguém lê mais de duas frases quanto mais um texto como este, o melhor que podemos fazer é sermos assertivos na nossa burrice. Ter orgulho nestas duas orelhas grandes e pontiagudas para as quais foi preciso não lermos muitos livros, não nos interessarmos por nada. E assim, se formos confrontados com esta aparente falta de inteligência, não deveremos nunca admitir, tal como o marido infiel que é confrontado com fotografias que o comprometem, que somos nós que estamos enganados. É que nem pensem nisso. Pelo contrário, devemos justamente dizer que são os outros. Ou então, se não quiserem ir por aqui, ao menos que se tenha convicção e orgulho no que não se sabe nem se quer saber, onde dão jeito expressões como: tu pensas da tua maneira e eu penso da minha; essa é a tua opinião, mas eu acho que sim. Mas não se pense que a burrice é coisa fácil, cá está, engano daqueles que se acham inteligentes. Ser burro, no sentido mais purista do termo, tem que se lhe diga, embora seja preferível não lhe dizer nada, pois convenhamos, é justamente essa a sua melhor forma de alimento.

Mas tem de se trabalhar para isto ou corre-se o risco de saber coisas e não ter, assim, uma carreira. Daí que acabe quase como comecei. Os mais inteligentes são cada vez menos felizes, até porque os menos inteligentes nem sequer sabem o que é a felicidade.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no Jornal i

3 comments:

  1. Já o dizia o Hemingway. :)

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  2. e mais nada...

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  3. A melhor observação social,é um homem inteligente,fazer-se passar por burro,e ouvir as conclusões de um homem burro que se julga inteligente...
    Vanessa Urbano

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