O AMOR É DESCASCAR UMA MAÇÃ

Do mesmo modo que houve especulação financeira e especulação imobiliária, não tenho agora dúvidas de que houve também especulação no amor. E não é de agora, não foi só nos anos 80, não é uma modinha de escola, nem da Madeira, nem da televisão. Isto foi antes. Esta especulação amorosa vem de longe e tem muitos culpados, por mim está tudo preso, vão todos para cadeia ter com o Vale e Azevedo, que é o que merecem os que venderam o amor ao desbarato, que disseram que tinha uma linda vista para o mar quando era afinal um rés-do-chão em Castelo Branco, que disseram que com ele tudo era azul quando mais tarde percebemos que é feito de muitas cores e que nem todas elas coloridas - prisão com eles, com esses bandidos - com os que disseram que o amor comanda a vida quando agora bem sabemos que é o FMI, com os que que mentiram e disseram que sem amor a vida não faz sentido como se esta tivesse só um. A vida tem vários com o diacho. Pergunto: E os que não amam porque não conseguem? Ou porque não encontram? Ou porque o seu amor que encontraram e amaram se esvaneceu entretanto? Ou que morreu pronto? Que responder a isto? A estes? Digam-me, vá lá. Caladinhos como ratos, não é? Pois bem, deixem-me cá levantar as mãos, a culpa de chegarmos ao que chegamos é dos líricos do costume, dos que escreveram livros que acabavam com “amo-te para sempre” e filmes com um campo de centeio lindíssimo lá atrás e um beijo sôfrego entre um homem e uma mulher ao cair do pano. Pior ainda: Dos que vão para a televisão e dizem amo-te como se estivessem a pedir uma peça de fruta. E é a esses que falo agora: O amor não é uma peça de fruta, quando muito é descascar uma peça de fruta, quando muito é parti-la aos bocadinhos e ficar a ver a pessoa que amamos a comê-los. Isto sim é o amor. Justamente, descascar uma maçã.

Fernando Alvim

Publicado originalmente no jornal i

[Fotografia de Tamara Lichtenstein]