Friday, October 19, 2012

A DIF faz dez anos e eu juntei-me à festa com este texto


10 anos, sem anos

Existe um período na nossa adolescência em que em plena fase de afirmação pensamos invariavelmente em duas coisas: ou meter-nos na droga ou fazermos uma revista. Eu lamentavelmente escolhi a segunda e hoje posso dizer-vos que estou arrependido. As pessoas falam muito de que um restaurante é uma prisão sem terem conhecido a redacção de uma qualquer revista. Prisão? Esperem lá, comparar um restaurante a uma prisão? Um restaurante onde podem ir falando e petiscar jaquinzinhos e peixinhos da horta a uma redacção onde só há café em pacote? Tenham vergonha. Ter uma revista sim, não só é uma prisão, como são duas, uma cidade inteira de prisioneiros se quiserem, um estado americano, pronto. E porquê? Porque não é só uma coisa circunscrita ao espaço, é também a nossa cabeça que fica presa e a qualquer hora e em qualquer sítio é na revista e em função dela que estamos a pensar. Se querem um exemplo, eu já dei comigo a fazer amor com a minha mulher enquanto pensava: “Era bom fazermos um artigo sobre novas tendênciasE. A minha mulher a dizer-me: “Ai querido, não pares agora, tu não pares!” E eu a pensar: “Era bom entrevistar aquele indivíduo que irá revolucionar o mundo musical”, a minha mulher “Ai, ui, ai, ui” e eu: “Temos que mudar o grafismo da capa, mudar o esquema habitual da coisa.” E é isto. E depois cada um dorme para o seu lado. 

Ter uma revista é um cabo dos trabalhos mas também, como as mães dizem, é muito compensador. É como um filho, dá muito trabalho sim, o puto baba-se todo, tem que se dar banho à criança, mas quando sai, quando se corta o cordão umbilical na gráfica, quando se embala a revista e se folheia para ver se está sequinha, é uma maravilha só de pensar, “Ai que me mordo todo”. Daí que uma revista que faz 10 anos nos dias de hoje mereça os parabéns de todos, porque a idade de uma revista, sobretudo com esta crise toda do papel e da publicidade, consegue ainda ser superior à dos animais que, como se sabe, é 7 vezes superior à sua vida real. Isto é, se um São Bernardo tiver 10 anos é lógico que ele deverá ter uns bons 70, mas se uma revista tiver 10, não tenham dúvidas que estará agora a fazer 100. Aliás, com os primeiro-ministros dos países ainda deverá ser pior, sobretudo o nosso e o americano. Vocês já viram o quanto eles envelhecem em tão poucos anos? Olhem o Obama. O Obama está com mais cabelos brancos que o Richard Gere. Olhem o nosso primeiro actual, o homem está quase a apanhar o Manoel de Oliveira em apenas um ano. Daí que seja justo dizermos e até com absoluta propriedade que a DIF faz 100 anos embora nos pareçam 10. Mas não são, são 100 anos: de vida e dos anos que de facto ficamos sem eles, a tal ponto que muitas das vezes por manifesta falta de tempo, não comemoramos sequer os nossos. 

Não serão portanto muitas as revistas que nos dias de hoje se poderão orgulhar de fazer 100 anos, na verdade 10, mas a DIF pode e está de parabéns por isso. Por fazer 10 anos e ainda não sofrer de dores de tudo, por ter 10 anos e ainda não querer ir para casa ver televisão em frente ao sofá, por ter 10 anos e querer tudo, e melhor que isso, por pensar - mesmo que assim não seja - que está ainda tudo por fazer. E está mesmo, nós é que pensamos que não, que somos uma mera reinvenção, que só novas roupagens do que já existe é que serão agora criadas. Eu nunca escrevi este texto para nenhuma revista, isto é, deixem cá ver nas minhas gavetas (só um bocadinho)… cá está, nunca o fiz. E espero que a DIF nunca se reescreva nem reinvente, mas quanto muito nasça outra vez e crie novas coisas. A DIF faz 10 anos e está numa belíssima altura para fugir de casa. Parabéns!

Fernando Alvim
director da revista 365


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