Thursday, August 23, 2012

Nem mais um segundo


Do mesmo modo que existem one hit bands e one night stands – e julgo que nunca terei escrito tantos estrangeirismos numa só frase – a verdade é que vivemos num período em que surgem a um ritmo frenético as one hit persons (mais um que inventei agora mesmo). Talvez seja uma derivação dos aclamados 5 minutos de fama de Warhol, mas a verdade é que são cada vez mais as pessoas que à custa de um único êxito na vida, seja ele em formato canção mas sobretudo em formato acção, ficam uma vida inteira a viverem de um único feito em toda a sua vida. O que até poderia ser bom, se o feito fosse bom. Mas pergunto: E se a canção é má? E se o feito não é dos honrosos? E se em vez de Bowie é Scorpions e se em vez de Buckley é Demis Roussos? De uma forma ou de outra e fazendo contas à vida que é, como se sabe, feita de muitos dias, esta nunca poderá ser um disco com apenas um sucesso que passa na rádio. Soem os violinos por favor, façam de conta que é o Padre Vítor Melícias agora a escrever: “Uma vida é um disco todo, são muitos temas, mas convencionou-se que é mais fácil ouvir apenas o sucesso e deu no que deu”, ora obrigadinho senhor padre. E o que deu foi uma playlist não só na rádio, não só na televisão, não só nos jornais, mas – e isto é que é o mais admirável – na rua, em casa, em todo o lado, ora bolas. Há uma playlist sim e estamos todos a cumpri-la. Ninguém arrisca nada porque assim se perde audiência ou amigos ou popularidade ou crédito ou os bons dias do vizinho da frente. Ninguém arrisca nada. Todos nos tornamos numa canção que já todos conhecem mas que continua a passar na rádio em detrimento de uma nova e fresca que é mais arriscada. E mesmo essa nova, quando conseguir entrar na playlist vai tornar-se uma canção que, de tanto se repetir, cansará os que ouvem e ficará caduca. O segredo é sermos uma música nova sim, mas fugirmos à playlist. O segredo é sermos uma música de sucesso mas não deixar que nos repitam. O segredo é – e reparem como estou empolgado com as veias do pescoço salientes –, o segredo, dizia eu, é não perder um único segundo a vangloriar-se do que já foi feito para que esse tempo, mesmo esse segundo, seja já usado no que faremos a seguir.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

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