Monday, May 14, 2012

Amizade em tempos de cólera


Tenho andado a pensar imenso nesta coisa da austeridade e chego à desafortunada conclusão de que tenho amigos que saem fora do meu orçamento. Tenho amigos caríssimos e perceber que cada amigo meu chega a custar por ano mais que o salário mínimo nacional faz-me tremer as mãos. E já agora os pés. E isso faz--me igualmente pensar que tenho de fazer cortes. Mas não se pense que será à toa.

Existem vários tipos de amigos, e os que dão mais despesa são justamente os que mais me acompanham. Ter um amigo diário e realmente bom é como ter uma empregada doméstica todos os dias, torna-se absolutamente incomportável. Daí que comece justamente com este artigo a saudar todos os meus amigos de Natal que são claramente os mais em conta. Os meus amigos de Natal são cirúrgicos, à época enviam uma mensagem, dizem o quanto somos importantes para eles e em alguns casos, prevendo que não nos falaremos mais, aproveitam para nos desejar desde logo um bom ano. Alguns deles escrevem nas suas mensagens que só enviam aquele sms aos seus melhores amigos, a pessoas muito especiais e de um grupo muito reduzido, e curiosamente, em muitos casos, quando vejo o nome de quem as envia, é frequente encolher os ombros em sinal de absoluto e constrangedor desconhecimento.

O problema dos amigos de Natal – embora baratos – é justamente este, podemos nem sequer saber quem são. Depois seguem-se os amigos de aniversário, que se recordam sempre da nossa data, que desejam que tenhamos um dia feliz, mas que, muitas vezes – quase sempre –, por uma razão ou por outra, não conseguem vir ao nosso aniversário.

Os amigos ausentes de aniversário são quase iguais aos do Natal, mas saber que se recordam da data do nosso nascimento quando não há luzes na rua nem anúncios na televisão diferencia-os. E não quero acreditar na visão pouco romântica de que terão sabido pelo facebook. Não, isso não quero. Os meus amigos de aniversário não precisam disso, basta que em muitas das vezes eu os avise disso mesmo, com o convite que lhes faço para aparecerem na comemoração.

Finalmente, os meus melhores amigos, os mais caros, entenda-se, são o cabo dos trabalhos. Os meus melhores amigos são nos dias que correm a casa que temos de pagar todos os meses ao banco. É uma coisa para toda a vida, mesmo que digam o contrário, mesmo que nos queiramos desprender deles, há uma dívida infinita, imensurável, que nos faz pagar com juros toda a sua amizade e tempo despendido. Daí que já esteja a calcular o spread de cada um deles, a taxa de juro, os argumentos usados por Vítor Gaspar, para, um a um, rever o acordo incomportável que nos liga. A partir de agora, os de Natal e aniversário continuarão, os verdadeiros estarão sujeitos a severas medidas de contenção e austeridade.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

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