Friday, January 31, 2014

Balanço Vital no jornal Metro

O jornalista e letrista Nuno Miguel Guedes foi o convidado desta semana. Aqui enumerou cinco realizações e outras tantas coisas a realizar no futuro, enquanto a procissão dá a volta à paróquia. Cá vai:


Venham mais cinco
De certeza que não sou o primeiro nem serei o último a queixar-se da ingratidão que é fazer uma hierarquia dos dias. Ainda para mais evitando momentos irrepetíveis, como são o nascimento de filhos. Como fui abençoado com três, ficava já meio texto arrumado. Mas enfim, compreendo e aceito ir a jogo.
Sem qualquer grau de importância, nem sequer cronológica consigo lembrar-me de alguns. Todos bons, que estou farto de lamentos. 
Lembro-me, por exemplo, do 25 de Abril. Lembro-me porque fiquei furioso: nesse dia regressava à escola, depois de ausência por doença, a minha secreta apaixonada – a Ana Maria. Os meus nove anos estavam profundamente abalados por aqueles cabelos loiros e olhos azuis (aos nove anos um tipo é dado a clichés: foi assim que me apaixonei pela Marianne dos Pequenos Vagabundos). A Ana Maria, como iria ser recorrente na minha história afectiva, não me ligava nenhuma. E era uma sacaninha manipuladora. Mesmo assim zanguei-me com os meus pais, que não me deixaram ir à escola e em vez disso passearam-me felizes por Lisboa, onde só vi soldados de barba com cravos na boca. Como isto era superior à visão da Ana Maria era para mim incompreensível. Hoje não sei da Ana, mas estou muitíssimo grato aos barbudos abichanados.

Outro momento: o primeiro jogo que vi da Académica de Coimbra, minha paixão clubística. Final da Taça de Portugal de 1969, muita GNR. O meu Pai era (e é) da Briosa; eu ia ver o Eusébio. Acabei por ficar com o melhor dos dois mundos.

Terceiro momento: os afectos e as dúvidas fazem o meu rumo. A amizade é para mim sagrada. Nesse sentido tenho a sorte de ter amigos a valer, com quem me diverti. Não tenho culpa que sejam conhecidos. Assim foi com o Zé Diogo Quintela, amigo fortíssimo com quem um dia decidi fazer uma dupla de DJ’s: os 2 DJ’s do Cara****!. O que era uma brincadeira acabou no Sudoeste, a dar Abba a mil e tal pessoas que voltavam do concerto «anti-imperialista» de Manu Chao.

Quatro: o conhecer quem admiramos. Cresci a ler e a sonhar escrever como o Miguel Esteves Cardoso. Convenci uma professora de jornalismo que era de esquerda radical a deixar-me entrevistá-lo para o jornal do liceu. Foi a pior entrevista que fiz na vida, porque as perguntas ficavam entaladas na saliva da admiração. No final o Miguel assinou-me o Escrítica Pop, bíblia de todos os que gostavam de música “esclarecida” nos anos 80. Anos mais tarde, o sonho: ser convidado para O Independente e depois fazer de raiz uma revista e ser editor: a Kapa. A partir daí viciei-me em trabalhar com amigos.

Quinto: o ter a sorte de ter palavras cantadas por uma artista como a Ana Moura. A vergonha e a incredulidade de ouvir elogios a mim e aos meus versos perante um Coliseu lotado.

O que está por fazer? 
Tudo, e não há desculpas. Quero entrevistar os Monty Python. Queria ter conhecido o meu mestre Sinatra (restam-me os discos). Quero escrever e publicar a meretriz do livro que não tenho coragem de mostrar. Quero que a minha Académica vença o campeonato, com pinta. Quero que os portugueses percebam que é urgente fazer Portugal. Agora mesmo.




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