Monday, October 14, 2013

SEM TEMPO A PERDER

Convencionou-se em Portugal que tudo tem de ser feito com calma. Antes de se tomar qualquer decisão, é necessário dar duas cachimbadas, ir à janela reflectir, sentir o tempo, ver um filme do Fellini, ver outro - ai que lindo – ver-se ao espelho, pensar na vida e nos antepassados – que é feito deles? Que farão agora? - marinar a decisão durante alguns meses e depois, depois enviar uma carta a dizer que estamos a reflectir e que tudo indica iremos decidir com a brevidade que nos for possível. Mas com calma, com imensa calma que a vida é longa e temos tempo. Mas a verdade é que não temos tempo. Daí tanto se dizer que Portugal não tem tempo a perder.

O que não dizem, é que não só não tem tempo a perder, como não tem a ganhar. Não tem, pronto. O que nos resta é uma outra coisa, nem sequer é tempo, é aquele período de compensação no final do tempo regulamentar, é o período de desconto,onde já tradicionalmente se pensa mais com os pés do que com a cabeça e está toda a gente a olhar para o relógio. Então e depois?

Eu acho que estamos num belíssimo momento para pensar com os pés. Muito mais do que com a cabeça. Os intelectuais do costume devem agora estar com as duas mãos nela. Pois não as tirem e ouçam isto: certo dia houve em que me tentaram assaltar no meio da cidade e de ponta e mola apontada a mim o que me salvou – aqui vos juro – foi ter pensado com as pernas. Tivesse eu pensado com a cabeça e teria ficado sem tudo. Corri tanto que ainda hoje dou por mim a correr, a fugir da ponta e mola.

Portugal tem de correr, na passadeira, ao ar livre, onde for, mas que se abandonem as caminhadas de contemplação. Portugal fez-se um pouco à imagem dos seus tribunais, demora tanto a decidir e a agir, que na maioria das vezes, acaba prescrito.

Portugal não tem de ter calma coisa nenhuma, pelo contrário, tem de ser nervoso e chegar-se à frente na corrida. Tem de mostrar que vai ganhar, nem que seja preciso comer relva, Portugal tem de chegar antes, mais cedo, Portugal tem de ser o primeiro a esticar o dedo em sinal de que sabe a resposta, Portugal tem de saber a resposta e ser o mais esperto da turma, o mais estudioso, o mais aplicado e que, ainda assim, ganha o torneio de futebol da escola e anda com a miúda mais gira da turma.

Portugal tem de ser isto tudo. E para isto tudo não há tempo a perder. Nem a ganhar.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de T.C. Lin]

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