Monday, September 30, 2013

O cinema é para sonhar

É curioso perceber como é diferente a programação cinematográfica de duas das maiores salas de cinema para adultos de Lisboa: o Cinebolso e o Cine Paraíso. No Cinebolso há um ajavardamento colectivo a esse nível e com verdade não são poupados os termos menos ortodoxos para baptizarem os filmes que aí são exibidos. A título de exemplo, só esta semana estão em exibição: “Bundonas em Fogo, “Semens Inter-raciais” e  – Deus credo, perdoem-me os que estão a ler, mas é de facto o que está escrito – “Cuzões para Despedaçar”. Estivesse aqui o Gabriel Alves e exclamaria “ oh, mas que entrada grosseira, uma jogada muito feia que não contribui em nada para o espectáculo desportivo”. Quanto a mim, ainda assim, é um cinema honesto – directo é certo –, mas que não faz sonhar. E o cinema tem de fazer sonhar. E é bom por momentos pensarmos que poder ir ver outra coisa, talvez quem sabe com outro enredo. Nesse capítulo, é isso que faz – e bem – o Cine Paraíso, onde no cartaz desta semana pode ver-se por exemplo “Dinheiro e Sexo em Itália”. Quem vai ver dinheiro e sexo pode muito bem julgar ir ver um bom filme de gangsters, de corrupção activa, onde o dinheiro de novo aparece a comprar tudo e também os valores de alguns que poderão inclusivamente passar pela venda do seu corpo. É um filme de gangsters? Não é não. Mas faz sonhar e poderia ter sido. Mais. De resto, no cartaz, pode ainda ler-se “Kelly nunca Diz Que não”, que quase apostaria tratar-se do relato impiedoso de uma rapariga que conseguiu passar a sempre problemática fase da negação e começou a ser mais positiva – e afirmativa até – em relação à vida, ao que a rodeia, aos seus amigos, ao seu emprego. É um filme que fala sobre isto? Não é não. Mas faz sonhar, caramba. E o cinema tem de fazer sonhar, caso contrário não é cinema. É certo que o nome do Cine Paraíso, que a todos lembra o filme de Tornatore, só por si, exige-lhe uma outra responsabilidade e decoro que o Cinebolso não tem e faz questão de sacudir as mãos como se estas estivessem cheias de farinha. Aliás, se nos fixarmos apenas nos nomes, é fácil perceber para onde cada um deles nos remete. Num para o paraíso, onde tudo é colorido e celestial, no outro para a obscuridade e a falta de ar de um bolso das calças. Só assim se percebe que um dos maiores sucessos do Cinebolso tenha sido “A Superporca” e que do Cine Paraíso tenha sido “Bem no Fundo de Tracy”.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Imagem de M.C. Escher]

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