Monday, September 16, 2013

Morrer de menos

Em todo o mundo – e muitas das vezes mais até do que em Portugal – é preciso morrer alguém para que algo mude. Na maior parte do mundo é preciso morrer imensa gente, mas em Portugal, um país poupadinho, basta que morra um ou dois, para que de imediato se repense a lei, o método de funcionamento, se substitua, se altere, se revogue, e em dois tempos, se altere algo que sucessivos tribunais, colóquios e sessões intermináveis de esclarecimento com muitos sábios não conseguiram. De tal modo, que proponho, que em qualquer destas situações, se o objectivo for mudar – mas mudar mesmo – se mate desde logo uma pessoa. Mas ouçam, tem de estar de facto morta.

Não pode ser um simples ferido grave – isso não basta –, ou um ferido ligeiro – nem 20 conseguiram mexer um cêntimo que fosse –, é necessário um corpo inanimado, sem réstia de fôlego. E nisso Portugal pode orgulhar-se, porque de facto são precisos morrer poucos. Veja-se a Revolução de Abril?! Para o que dali veio, por muito pesar que sintamos pelos que morreram (e alguns foram) serão sempre poucos, comparados com a média mundial. Fosse a Revolução de Abril no Paquistão e seriam aos milhares, sangue a jorrar por todo o lado, e nem assim se resolveria a coisa em poucos meses como o fizemos. Em alguns países, morrer parece ser mais fácil mas nem sempre tem funcionalidade. Veja-se a Síria. Já morreram mais de 100 mil e nem assim as coisas se resolveram. Se aqui fosse, estava mais do que resolvido e já andaríamos aos pinotes pelo campo. É preciso morrer muito pouco para que se mude em Portugal e se o nosso país liderasse o mundo não tenho dúvidas que a guerra do Vietname teria duas ou três vítimas e a invasão do Iraque apenas uma. Morre-se demais no mundo. De menos em Portugal. E eu gostaria de nunca contribuir para alterar esta estatística.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Viviana Peretti]

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