Monday, May 20, 2013

Não faço ideia


Ter uma ideia é quase como ter um filho: só tem sentido se a quisermos ter e acompanharmos o seu crescimento. Não há nada pior que ter uma ideia e depois abandoná-la à porta da igreja. Uma ideia é como um bebé, tem que se lhe dar banhinho, pó de talco nas nalgas, sopinha moída e brinquedos para se entreter. Há pessoas que têm ideias, mas que depois não estão para isso. As melhores ideias são as que realizam e acabam em casamento na igreja com os pais da noiva e do noivo a chorarem muito.

Aos soluços portanto. As ideias que não acabam no altar não passam de manobras de diversão. São ainda assim ideias, é certo, mas confundem-se muitas vezes com o corredor dos 5 mil metros que vai mais de metade do tempo na frente da corrida e que a partir daí se deixa ultrapassar por todos até abandonar a mesma sem que ninguém o perceba. Uma boa ideia nunca se abandona. Em relação aos homens, as mulheres dizem-nos com frequência que a nossa ideia é sempre a mesma. E sabendo dela, eu acho que é uma boa ideia. E mesmo que seja sempre a mesma, porque não tentar realizá-la? Já que é tão boa, porque não ser todas as vezes? Não acredito em países que não têm ideias, nem em empresas, nem em pessoas, nem em relações. Quando em casa pergunto onde estão “as minhas calças?” e me respondem “Não faço ideia!”, sei que esse é o sinal de alerta, mil sinos zumbem nos meus ouvidos. Em Portugal, são cada vez mais comuns as pessoas que não fazem ideia. Pior: que não fazem a mínima ideia e que ainda assim ocupam lugares de destaque na nossa sociedade. São pessoas vazias, sem ideia alguma, sem rasgo, sem raça, sem nada, excepto tentar disfarçar justamente isto: que não imaginam há muito onde está o seu par de calças.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Emily Graham]

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