Monday, March 04, 2013

Um desgosto


Do mesmo modo que a noite banalizou o abraço, o Facebook quer agora banalizar o gosto. E eu não gosto. Vamos cá ver, primeiro o abraço: um abraço só deve ser dado a quem já tenha bebido umas 20 imperiais connosco. Menos do que isto é uma infâmia e, na noite, sobretudo na noite, são muitos os que tendo aviado seguramente umas 20 imperiais nos abraçam compulsivamente como se fossemos amigos do Ultramar. Um abraço dos bons – que é destes que importa – tem de fazer doer a coluna cervical, tem de ser sentido, tem de ser forte, bruto, de preferência lascando umas vértebras, ouvindo-se num diâmetro nunca inferior a 500 metros e acabando muitas das vezes – as melhores, entenda-se – no serviço de ortopedia do hospital mais próximo. E não há amigo meu que não saiba disto. Do mesmo modo que todos sabem que antes do abraço se deve dizer “então pá?” e depois – aí sim – passar à fase do quebra osso. E o gosto é a mesmíssima coisa. Um gosto não é um toque coisa nenhuma. Quando muito, são vários toques, mas dos bons, não é daqueles sem saldo no telemóvel ou, pior ainda, do “liga-me que não sei quem és”. Gostar de algo não é assim tão fácil. Ou não deveria ser. Para se gostar do que quer que seja, temos de perder tempo ou ganhá-lo. E o gosto do Facebook não quer perder tempo e por isso é tão apressado e descartável. Trocaria 1000 gostos do Facebook por um verdadeiro, um gosto de quem viu mesmo, de quem leu mesmo, de quem vai mesmo, de quem gosta mesmo e sabe exactamente do que está a gostar. O gosto do Facebook muitas das vezes não leu, não viu, não vai, não sabe, não faz ideia nenhuma, mas ainda assim faz gosto. O que com verdade, é um desgosto. 

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Jake Stangel]

3 comments:

  1. gosto. (um dos bons, não dos do facebook.)

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  2. Gostei muito deste texto, concordo completamente.

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  3. Um gosto (de quem gosta mesmo).

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