Thursday, August 09, 2012

Verdade verdadinha


Entre as verdades que eu conheço, a maior de todas é a verdade verdadinha. Se me dizem que algo é verdade, eu encolho os ombros e franzo as sobrancelhas, mas se me dizem que a mesmíssima coisa é verdade verdadinha, assino por baixo de qualquer documento que me colocarem à frente. De tal modo, que ainda hoje sofro por ter comprado demasiadas semanas de time-sharing em Olhão e uma inexplicável quantidade de barbitúricos tendo por base o milagroso aloé vera. A verdade faz-me bem, mas a verdadinha deixa-me em êxtase e em espasmos vários, como se tivesse a ver o “Poltergeist” na parte mais indigesta. De resto, se dúvidas houvesse sobre a magnitude desta expressão, parece-me indiscutível que não existe uma outra que, usando um diminutivo, possa com isso provocar justamente (e perdoem-me, mas vou ter de inventar uma palavra) um aumentativo do valor intrínseco associado a ela. Um dia vou também escrever sobre o valor intrínseco, mas ainda não é hoje. Hoje estou aumentativo. Aliás, isto é um bocadinho como aquela rua no Bom Jesus em Braga, que parece que está a subir quando afinal está a descer. E é, aliás, nesta condição que aqui revelo que o que falta à justiça portuguesa não é a verdade – não é, não senhor –, mas sim esta verdade verdadinha. E era justamente isto que qualquer juiz deveria perguntar a cada um dos réus: isto que está a dizer é verdade ou verdade verdadinha? E escolhendo este a última, seria imediatamente ilibado e poderia ir para casa fazer amor com a sua mulher. Escolhendo a primeira, deveria ser submetido a novo e rigoroso inquérito até chegar a esta. Mas as pessoas ficam-se por esta verdade como se não existisse outra. E existe. E é esta: a verdadinha.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

1 comment:

  1. A tal rua não é na Sé de Braga. É no Bom Jesus. E parece que está a descer quando na verdade está a subir.
    Verdade verdadinha!!!!

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