Monday, March 19, 2012

Ao meu pai


Pensar nesta foto e no exacto instante em que terá sido tirada. Pensar no que terá dito o detentor da objectiva antes daquele click que nem sempre é audível. Eu sou do tempo em que se ouviam os clicks e que o mundo fazia barulho. Em que havia flashes e alguém dizia ironicamente "Digam Queijo!". Eu sou desse tempo, dos antigos ouviram? Em que as fotos extraordinárias que havíamos tirado nas férias do verão, afinal eram miseráveis – agora as vemos - porque teriam sido corroídas por uma luz interior que se nos havia escapado. Eu sou do tempo. Do tempo dos meus avós que se abraçavam a mim com mais força do que com os seus filhos – também os meus pais - e que na altura das fotos, não se importavam que eles não aparecessem, porque sabiam que nós representávamos os seus filhos e já agora se não se importam, os meus pais. Eu sou do tempo. Do tempo em que todos éramos filhos e quase não havia pais quando se avizinhavam os avós. Sim, sou desse tempo - como está? muito prazer! - em que não sabíamos se teríamos ficado bem na fotografia e em que, precisamente por isso, nunca apagávamos nada, mesmo quando ficávamos mal na foto . Mas agora, neste tempo, todos ficamos bem. E se ficarmos mal, tudo se apaga num segundo, tudo se subtrai como se nunca tivesse existido. Esta foto é de outro tempo, em que as coisas não se apagavam com tamanha facilidade. Em que as coisas más resistiam , mas as coisas boas também, tal qual os carros da Volkswagen.

O meu pai dizia sempre que os carros da volkswagen resistiam a tudo porque não-sei-quê da segunda guerra mundial, e eu , aqui dentro, queria que o meu pai fosse um carro da volkswagen. Para que nunca desse problemas.Para nunca me acabasse.

Esta foto nunca se deixou corroer por essa espécie de maresia corrosiva em que todos habitamos. Agora, as fotos modernas parecem que vivem junto ao mar, que se que deixam esvair na água como se fosse tinta débil, nesse sal que sabemos ser corrosivo. Esta foto resistiu a tudo e a todos, tal qual um carro da volkswagen. Quando a tiramos, nenhum de nós dissemos se podíamos olhar na objectiva a ver se estava bem, porque nós estávamos bem e era isso que mais importava. Hoje em dia, há pessoas que estão bem pior do que na foto. Naquela altura, nesta foto, todos éramos mais resistentes do que um qualquer carro da Volkswagen.

Fernando Alvim
(Publicado originalmente na revista Maio Claro.)

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