Thursday, February 18, 2010

A fidelidade dá-me tesão




Vai haver um dia, quando já nada restar, que a fidelidade será ensinada nos bancos da escola. Os professores exibirão nos seus quadros electrónicos gravuras antigas, que demonstram cabalmente que ela terá existido em tempos idos. E todas as crianças exclamarão com espanto como se tivessem a ver uma cidade perdida, entretanto submersa. A fidelidade está a perder-se como estas cidades: sabemos que existe, mas dificilmente a veremos.



A fidelidade passou de moda. Vai-se aos desfiles de Paris e Nova Iorque e ninguém a veste . A fidelidade tem uma cor ultrapassada e gasta, de meias grosssas, agora só encontrada em calendários baços de anos antigos. A fidelidade é passado, O futuro é dos polígamos e dos polígrafos. Dos polígamos, porque são eles que representam o pulsar exacto destes dias. Dos polígrafos, porque serão agora mais usados para percebermos como mente o presente. Por isso, detesto tanto o presente, de tal forma que o nego. Por mim, gostaria de viver sempre no passado ou no futuro, mas nunca hoje, sempre amanhã ou ontem. E isso até poderia ser possível, não tivessem os fundamentalistas do presente inquinado todos os que lhe são adversos, como são disso exemplo, os saudosistas e os futuristas. Reparem, que não existem presentistas, do mesmo modo que não existe presentismo. E porquê? Porque o presente não existe. Não tenham dúvidas, todos somos já passado ou futuro de algo. O presente, foi algo que inventaram quando alguém foi buscar água.



E é este presente inventado, este presente que não existe, que deixou de ter fidelidade a tudo: à praia, ao corte de cabelo que deveria ser sempre assim, às bolas de Berlim que só comeríamos no senhor Vítor, ao segredo que nos haviam dito para guardamos, à pessoa que juramos amor para sempre, ao clube, ao nosso irmão de sangue, a quem nos telefonou quando mais precisávamos, a este jornal, a estas linhas, ao homem, à mulher que todos os dias se deita connosco. Que lixe este presente, eu só quero futuro e passado, onde a fidelidade me dá tesão.

11 comments:

  1. Gostei... Partilho o sentimento que se lixe o presente...

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  2. Grande Alvim!

    Estás lá... (Acertaste em cheio!)

    Partilho da tua certeza que "o presente não existe".

    É bom lembrarmos o passado e termos sempre, mas sempre presente(!), uma "saudade enorme do futuro". Isso sim, é que é a verdadeira Arte de Viver, que é o tema da Prova Oral de hoje (18.2.2010).

    Aquele abraço insular!

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  3. Bonita Prosa Alvim, grande ensaio sobre o tempo.

    Jorge Marques

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  4. E a infidelidade é dos impotentes. Dos frustados. Dos superficiais. Daqueles que nunca chegaram a descobrir o que realmente vale a pena. Nunca fizeram um verdadeiro caminho de descoberta. Andam à deriva, perdidos. Francos incompetentes.
    Fema.

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  5. A mim preocupa-me particularmente a falta de fidelidade a princípios e valores. Aliás, temo que assim os princípios e valores se comecem a chatear e migrem para outro planeta, algo que segundo informações oficiosas (ainda não foram divulgadas escutas) já está a acontecer. Proibido ser íntegro!!

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  6. A sentir cada palavra ... tens razao..

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  7. Gostei e infelizmente tenho que concordar. O presente dói demais...

    Viva o passado

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  8. Cabe-me a mim discordar. Não o posso fazer. Por norma, concordo contigo, mas hoje não!

    Com o futuro, não estou preocupado agora. Só se for para falar de trabalho e contas para pagar, que não vem ao caso. Em relação ao que interessa, estou curioso, mas não muito. Tudo a seu tempo.

    O passado foi lá atrás. Vivi, aprendi, bati com a cabeça a parede, grandes farras, estive muito alegre ou muito triste, alternadamente. Mas já passou.

    Agora, sim. Estou a viver o presente. E a tirar o que de bom ele me oferece. E a tirar partido do passado. E a apreciar. E a continuar aprender. Dia após dia. "These are the days"!

    Pode ser que mude de opinião. Já mudei muitas vezes sobre muita coisa. Mas, por agora, sou um adepto do presente, um "presentista" ou o que lhe quiseres chamar.

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