Há um outro eu em cada um de nós que pode ser melhor ou pior quando estamos com pessoas. Quando somos pequenos, os nossos pais avisam-nos disso e apertando-nos os cordões, ajeitando-nos o cabelo, vão-nos preparando para o que aí vem: " olha que tens que te portar bem, que hoje vamos ter visitas!". E posto isto, arrumávamos o quarto, fazíamos os deveres e vestíamos a nossa melhor roupa, na esperança que a filha do casal tivesse a nossa idade e gostasse de jogar ao quarto escuro. Mas disto não falo agora. Falo sim, da transformação das pessoas quando estão juntas e quando se separam. Mais do que isto. Falo da transformação das pessoas quando estão com os outros e quando estão connosco.
É uma diferença grande que se acentua quando nós a presenciamos. E nessas alturas, ficamos com vontade que aquelas pessoas fossem sempre assim, tão amáveis, prestáveis, alegres, contadoras de histórias, solidárias, interessadas em tudo aquilo que dizemos, que fazemos, disponíveis em absoluto para o que for necessário, a tudo dispostas para melhorar o nosso dia.
Quando estamos com outros pessoas, só queremos mostrar o bom que temos, como se fossemos um daqueles feirantes de microfone de lapela a vender qualidades em cima de um camião de caixa aberta: Olhem como sou generoso! Quem quer comprar? Olhem que engraçado que sou! Quem dá mais? Olhem que habilidades eu faço. Quem me quer?
Daí que eu defenda que devíamos viver, como se passássemos a vida a ser visitados por pessoas a quem deveríamos dar o melhor de nós, isto é, exactamente aos que vivem connosco. A ideia é revolucionária – bem sei - mas não tenho dúvidas que serei recordado depois disto, como o Lévi-Strauss português e todos me aplaudirão à minha passagem. E assim, a partir de hoje, de cada vez que alguém dos nossos chegar a casa vindo do trabalho, haverá confetis e serpentinas pelo ar e bolinhos de bacalhau e croquetes na mesa. Haverá música, haverá vinho nos copos e a festa será tanta, que todos seguirão o nosso exemplo e todos perceberão cada festa da vizinhança, do mesmo modo que usualmente entendemos o ranger das camas em cima do nosso quarto. E assim, quando a meio da tarde, percebermos que no segundo esquerdo do nosso prédio, por ali vai uma celebração muito semelhante às imortais noites da Motown, é quase certo que deve ter chegado o filho da escola, ou a mãe do emprego, ou o pai da vizinha da frente. E assim, estranhamente, a festa só terminará quando chegarem os outros, os que não conhecemos tão bem, melhor, os que só conhecemos o bom, precisamente os que nos visitam, interessados em apenas conhecer essa parte.
és o maior .
ReplyDeletejá o digo algum tempo, a muito poucos a escreverem como tu...
E...
ReplyDeleteque se viva tudo com tamanha intensidade que não se consiga passar do hall de entrada (assim também haveria menos para limpar)!
não concordo, sermos felizes só porque sim é vazio. Então e os factores externos?
ReplyDeleteMas talvez em certo ponto haja razão aqui, ao sermos óptimistas e esperarmos sempre o bom das coisas talvez cheguemos a lugar algum.
Dá que pensar...
ReplyDeletebeijo
busycat
Pois... o problema é que conhecer só o "lado bom" implica não conhecermos a outra pessoa de verdade... Aliás o ser humano tem a capacidade imensa de só ver aquilo que mais lhe agrada e quando a "máscara" já não aguenta mais e acaba por cair as pessoas têm desilusões. E por isso, também têm desilusões amorosas. E por isso vestem bem, sorriem muito, fazem muitas festas e fecham-se dentro de si próprias.E por isso mesmo hoje só se vive de aparências porque não há tempo para desilusões...
ReplyDeleterealmente pareces ter mais k 50 .. palavras sábias Alvim, como sempre!
ReplyDeleteIrritas-me! e isso é bom!
Eu sei que não é fácil... mas este é mesmo um dos segredos dos casamentos que vão durando! O outro não tem culpa se o chefe gritou ou se dei uma facadinha na dieta e engordei mais 20 gramas...
ReplyDeleteMas isto é válido para todos os relacionamentos. Temos que dar o melhor de nós aos outros, até porque não sabemos se um dia sem contar..elas deixam de estar connosco.
És imensamente fértil em ideias e em humor. Este texto está maravilhoso e a ideia por trás do texto (pelo menos a que me chega) muito profunda. Adorei.
ReplyDeleteGrande Capitão, li, voltei a ler e cheguei a uma conclusão...
ReplyDeleteQuando fumares disso, partilha porque o outro eu também precisa!
Forte Abraço!
uma vila convívio?
ReplyDeleteTramagal, visite http://tramagal.blogspot.com
Abraço
Afinal, qual é o Eu que somos? Muitas vezes,nem se revela, o que é uma pena. A autenticidade é uma qualidade ainda rara. Xi Carla
ReplyDeleteEra bom era. Era uma grandessíssima seca, já pra não dizer humanamente impossível!
ReplyDeleteSei do que falo. No trabalho que tenho, tenho de ser sempre "boazinha". Dar "o melhor de mim". Não é fácil, ás vezes apetece mandar tudo pó car**** e enerva-me ver pessoas que passam o dia todo a trabalhar atrás duma merda duma secretária, não fazem nada senão coçar a micose, estão on-line o dia todo no MSN, etc e ainda se queixam que trabalham muito.
Tento ser o melhor possível, mas não posso dar o máximo de mim a todas as horas.
Gosto de espancar o meu gato (estou a brincar, nem gato tenho) lol mas às vezes apetecia-me dar com um gato morto nas trombas de alguém até o gato miar. Mas só às vezes.
Isso seria um tédio total... além de provocar uma ressaca contínua com tanto alcóol à mistura.
ReplyDeleteEu voto NÃO!
Já defendo a ideia de tentar chegar a casa para, então sim, sermos e darmos o melhor de nós. O pior é que a "máquina" anda feita para que chegar a casa já seja um feito em si mesmo. Ainda assim há que tentar...
ReplyDeletelindo!!
ReplyDeleteeu acho que só conhecemos verdadeiramente uma pessoa quando também já a vimos tensa, ou triste, ou stressada. e aí podemos saber se, mesmo assim, continuamos a gostar dela ou não. isto serve para as relações de amizade, amor, etc... =)
ReplyDeletemas claro que é estranho alguém que só em grupo parece "animar-se"... isso é... estranho, pronto.... mas pode ser uma maneira de ser...
seria cansativo...
ReplyDeletebom mesmo seria pudermos vir com um manual anexado, nivel de compatibilidade, qualidades, defeitos. Ou entao podemos sempre dizer de que signo somos e perguntar "de que signo tu es?"... fazes os calculos. Uma seca tambem...
Bom mesmo so quando se ta por que se quer, e nao por que se precisa, ainda que seja necessidade emocional porque se gosta dele ou dela. Ufa, como e bom estar assim, sem fitas...