Se há coisas em que eu não gosto de pensar é na vida que tenho. E talvez por isso, faço tudo o que está ao meu alcance para me manter ocupado e assim não pensar na vida. Eu gosto da vida que tenho – é verdade que sim – mas queixo-me sempre de qualquer coisa, como quem vai ao médico e não sabe muito bem o que é que tem: "mas dói-lhe aonde?" pergunta-nos. E nós lá vamos dizendo "oh senhor doutor, eu não sei onde é que me dói, mas dói-me o que é quer que eu lhe diga? E de facto, não é preciso dizer mais nada, há coisas que não se explicam e a vida pode ser uma delas. De qualquer forma são 70 euros pela consulta. Obrigado e volte sempre.
Às vezes sou apanhado a pensar na vida. Outras, por uma operação stop. E de todas as vezes que fui mandado parar por uma autoridade, foi porque estava a pensar na vida. "Com que então passou um vermelho!?" e eu encolhendo os ombros lá me vou lamentando "oh senhor guarda, desculpe, estava a pensar na vida!" como se isso fosse justificação para o que quer que fosse. E é. Pois que outra forma encontram para justificar que alguém que está na pole position de um semáforo, não tenha ainda percebido que está verde. É óbvio, que está a pensar na vida. Apita-se, buzina-se duas ou três e quando finalmente o conseguimos passar pela direita, abrimos o vidro do nosso lado e perguntamos em tom irritado: "Oh homem, você está a pensar na vida?. Ao que ele, se for honesto, responderá : "Estou".
Por isso existem muitas pessoas que gostam de falar da vida dos outros. E poucas da vida que têm. E porquê? Está bom de ver. Porque é muito mais fácil pensar na vida do vizinho em frente do que da vida que temos, porque isso implica, já decerto adivinharam: pensar na vida. Exactamente. E pensar na vida dos outros não é pensar na vida. Devem pensar que eu estou doido – talvez, talvez – mas esperem lá, a expressão pensar na vida, só é preocupante, só verdadeiramente destabilizadora, quando é a nossa vida, quando este pensar é apenas e só sobre a nossa vida. Querem mais? Não ouço? Mais? Pois muito bem, vamos a isto. Mesmo quando estamos a pensar em outras pessoas é sempre, em função da nossa vida que o estamos a pensar. A mãe quando pensa na vida do filho e diz" Aquele rapaz anda magro, não se alimenta bem, é um doidivanas". Ela preocupa-se por ele – é claro – mas preocupa-se porque isso, esse facto, o facto do estupor do miúdo não comer como deve ser, interferir com ela, a inquietar, lhe dar cabo da vida e a fazer fumar dois maços por dia quando devia ser só um. E logo agora que o tabaco aumentou.
De resto quando associamos a vida a uma figura da família, fazemo-lo à madrasta. E não deve ser por acaso. Daí as pessoas desde sempre dizerem que a vida é madrasta. As pessoas não dizem a vida é mãe, é pai, é tio, é bisavó, não senhor, não dizem nada disso, o que dizem, e isso sim eu já ouvi, é que a vida é madrasta. E isso não me parece que seja coisa boa, pois eu tenho boa memória e sei muito bem o que é que a madrasta fez à gata borralheira, que mais tarde, ser viria a revelar a cinderela. E não, não é à toa que associam a "vida" à mais velha profissão do mundo, dizendo à boca cheia – se calhar esta expressão pode ser mal entendida – que a vida é uma prostituta. Bom, não será bem assim. Na verdade, o que se diz, normalmente quando estamos chateados, é: a prostituta da vida! Como quem quer dizer, a vida leva-nos dinheiro por este serviço que é viver. A vida deixa-se usar quando nós pensávamos que éramos nós que a usávamos. Ela é que se serve de nós. Ela. E nós ainda por cima – palermas – pagamos. Daí muitas pessoas dizerem que tudo na vida tem um preço. Pois claro que tem. E sabem que mais, não é barato.
"Vive como pensas para não teres de pensar como vives". Uma frase em que penso muitas vezes, levando-me ironicamente a situar-me na segunda premissa da mesma.
ReplyDeleteFoi o que me lembrei ao ler este teu texto de hoje.
:) não penses muito nisso alvin calvin :) o dartacão combatia com os moscãoteiros! ainda te lembras da cara da mulherzinha a arrastar o saco com o teu cheque lá dentro? para ela eram papeis :)e nem todos levam a yamaha para dentro de um estúdio! são vidas tb :) existências entre um saco
ReplyDeletee um ruído. Não vale a pena pensar na vidinha, é o que é. e tu mereces ter uma linda vidinha :) mesmo muito linda, vá que a que a vida não tem preço e não é um semáforo que nos faz parar... beijinhos
:) não penses muito nisso alvin calvin :) o dartacão combatia com os moscãoteiros! ainda te lembras da cara da mulherzinha a arrastar o saco com o teu cheque lá dentro? para ela eram papeis :)e nem todos levam a yamaha para dentro de um estúdio! são vidas tb :) existências entre um saco
ReplyDeletee um ruído. Não vale a pena pensar na vidinha, é o que é. e tu mereces ter uma linda vidinha :) mesmo muito linda, vá que a que a vida não tem preço e não é um semáforo que nos faz parar... beijinhos
pode não ser barata mas fica, sem dúvida, na maior parte das vezes, bastante em conta, pois o que se recebe em troca vale sempre muito mais do que o que poderíamos pagar. é uma questão de perspectiva, claro. e de saber regatear.
ReplyDeletee aqueles filmes de Autor que ninguém percebe... se perguntarmos a um intelectual o seu sentido mais profundo ele responderá, com os olhos semi-cerrados:
ReplyDelete-hmm... tem muito a ver com a Vida, sabes?