Tuesday, May 13, 2014

Entrevista à Meios & Publicidade

“Gostava de dirigir uma rádio, uma televisão e uma revista que marcassem uma geração”
Entrevista por Rui Oliveira Marques

Este sábado decorreu o Festival Alternativo da Canção, mais um evento organizado por Fernando Alvim, que é o criador de vários festivais e concursos. “O Festival Alternativo da Canção foi criado há cinco anos para provar que era possível fazer melhor do que o Festival da Canção. E, de facto, não é muito difícil, basta ouvirmos a canção vencedora deste ano por exemplo”, descreve Fernando Alvim.


Meios & Publicidade (M&P): Quantos festivais ou entregas de prémios organiza por ano? Consegue fazer dinheiro com estas iniciativas?
Fernando Alvim (FA): Organizo o Festival Termómetro, o Festival Alternativo da Canção, os Prémios Novos, a Regata de Barquinhos aRemos, o Torneio de Golfe para Nabos, os Monstros do Ano, o Portugal é Agora e, juntamente com o Luís Veríssimo, o Festival do Cano, que vai regressar outra vez este ano. Em 2014 ainda vamos lançar pelo menos mais duas iniciativas. Actualmente quase todos os nossos eventos têm um patrocinador que é a Guronsan, que é o patrocinador mais incrível que alguma vez podíamos ter conseguido. Não é fácil ter patrocinadores para coisas tão out of the box como as que nós fazemos e é curioso que são as mais sérias, que fogem um pouco ao domínio do humor, onde temos mais patrocinadores. É o exemplo dos Prémios Novos, que tem o apoio da Caixa Geral de Depósitos, da Guronsan e da Delta e que para o ano já terá a Sagres e a Jameson. Em algumas iniciativas consigo ganhar dinheiro, mas não muito. Temos uma política de entrada livre e, quando cobramos bilhetes, é sempre a um preço muito baixo.

M&P: No caso dos Prémios Novos percebe-se que as marcas queiram associar-se a uns prémios que remetem para o empreendedorismo e novos talentos. Os directores de marketing têm medo de associar a sua marca a projectos demasiado irreverentes?
FA: Há esse medo e, com a crise, acentuou-se. O humor é algo que aproxima, mas que causa também algum receio, pode ser intimidante. É um bocado como as mulheres que dizem que gostam muito dos homens que as fazem rir, mas que casam com aqueles que as fazem chorar. Contudo, o humor continua a ser a forma mais funcional de levarmos uma mensagem a muitos. Já ninguém acredita naquela coisa da excelência da condução, do serviço, da competência. As redes sociais mudaram as regras do jogo. As pessoas perceberam que 10 pessoas a falarem bem de um sítio é mil vezes mais fiável do que um anúncio no jornal ou na TV a dizer que o sítio é muito bom.

M&P: Há pouco referiu que tinha mais dois eventos em mente. Não há o perigo de eles começarem a canibalizar-se?
FA: Não corremos esse risco porque as iniciativas são diferentes, embora possam existir pontos em comum. Há necessidade de irmos pelo não-óbvio, pelo não-facilitismo, por não mais do mesmo. Para mim é impensável criar uma revista que seja igual ou fale a mesma linguagem de outra que já exista. Se é para isso, não vale a pena mexer-me. Não compreendi muito bem as bandas de covers por isso, porque é um caminho muito fácil. Difícil é fazer algo verdadeiramente original. E não estou aqui a dizer que tudo o que eu faço é muitíssimo original, mas garanto que tento que o seja.

M&P: Em que ponto está a televisão online Speaky TV? É para manter no formato actual?
FA: O projecto é para ser redimensionado. Terei duas reuniões, uma com a Zon e outra com a Meo, para darmos um passo que nos parece obrigatório, isto é, chegarmos à televisão.

M&P: Mas qual seria então o formato do canal para entrar nessas plataformas?
FA: Não posso adiantar muitos pormenores, mas posso dizer que gostaria de fazer uma espécie de RTP2 alternativa. Aliás, desenhei este projecto para a RTP2 numa altura em que me sondaram para me ligar ao canal.

M&P: Que ligação seria essa à RTP2?
FA: Não posso revelar pormenores porque não veio a acontecer e seria deselegante da minha parte, mas seria algo com responsabilidade para com o canal.

M&P: Numa evolução da Speaky TV para o cabo, seria a primeira personalidade mediática a criar um canal à sua imagem, quase como a Oprah. Não é uma visão demasiado pessoal para despertar o interesse da Zon ou do Meo?
FA: Nunca tinha pensado nisso, mas agrada-me a analogia, podia ser uma espécie de Oprah dos portugueses, embora gostasse de ter um décimo da sua influência. Consegui que as pessoas olhassem para mim, não como um simples comunicador, mas também como alguém, que faz de facto. Não tem qualquer sentido estarmos a dizer que isto está mal e que devia ser mudado e não sermos nós, justamente nós, a darmos o exemplo e a fazer. É isso que quero. E espero casar-me com a Zon e Meo em comunhão de bens. Se for um canal que venha trazer algo de novo e agite esta quase resignação do meio, pode ser um êxito, ter mercado e espectadores militantes.

M&P: Como vê o panorama da TV em Portugal?
FA: Vejo-o muito previsível, a arriscar muito pouco, a seguir uma espécie de playlist, programas cansados no seu formato, a velha fórmula apresentador mais apresentadora, entrevistas com pessoas a dizerem que tiveram uma vida de sofrimento com a apresentadora a pegar-lhes na mão e a olhar para a câmara emocionada e, claro, pessoas a mostrarem netinhas e a mandarem beijinhos lá para casa. É necessário outro rasgo, apostar em sangue novo e dar às pessoas não só aquilo que elas querem, mas também aquilo que elas ainda não sabem mas vão querer. Tenho saudades de concursos divertidos tipo Jogos Sem Fronteiras, 123, coisas assim. Devia haver uma melhor programação infantil, o desporto também ele podia ser apresentado de um outro modo. Tenho mil ideias e pretendo executar algumas delas.

M&P: Em breve vai voltar à RTP2.
FA: O meu regresso à RTP2 é uma possibilidade mas, a acontecer, só será em Setembro. Até lá, nunca se sabe, mas não sou rapaz para ficar parado.

M&P: E na rádio? Em termos gerais, como descreveria o panorama?
FA: Sou muito crítico em relação à rádio, talvez por gostar tanto dela. A verdade é que, nos últimos anos, só a Rádio Comercial surpreendeu no mercado. Inovou, renovou-se, apostou em coisas, usou um marketing forte e conquistou mercado. E com todo o mérito. Tudo o resto, parece-me muito resignado. Antes havia uma playlist para a música, agora também existe para a língua. Como resultado, a grande maioria dos animadores são uns robots, com pouquíssimo tempo para falar e com conteúdos pouquíssimo naturais. E sempre a dizer o nome da estação e também o seu, que isso é que é importante segundo os grandes gurus americanos da rádio. Passo a vida a ouvir dizer: olá o meu nome é x, você está a ouvir a rádio y, já a seguir uma grande canção só para si. Será que o ouvinte depois de ouvir isto vai questionar-se: esta música é mesmo para mim? Só para mim? Oh meu Deus, sou tão especial. As pessoas não são parvas. A rádio e a comunicação têm que vender a verdade. Há um erro que os espaços nocturnos fazem muitas vezes. Quando têm muita gente durante um longo período não percebem que, ainda assim, têm que mudar a decoração, pintar as paredes, renovar o staff e os sofás. Com a rádio e a TV também deve ser assim. Se não querem fazer nada, ao menos, mudem os jingles, os indicativos, só para dar a ideia de que estão a fazer alguma coisa. Enervo-me quando falo sobre a rádio e tenho consciência de que sou um privilegiado.

M&P: Porquê?
FA: Apresento um programa na mesma hora, na mesma estação [Prova Oral, na Antena 3], há 13 anos, com uma audiência assinalável e com toda a liberdade do mundo. Acho que tenho merecido a liberdade e a confiança que me têm dado. No entanto, assumo que a Antena 3 podia ser também muito melhor, mas vou querer sempre que as coisas sejam muito melhores.

M&P: Se pudesse programar uma rádio pública para o target jovem, como a Antena 3, que programas ou formato teria?
FA: A pergunta é demasiado complexa mas faria dela uma estação que acompanhasse as novas tendências e que apostasse no sangue novo, isto é, descobrir, descobrir, descobrir, divulgar, divulgar, divulgar. Tenho também um plano para a rádio, mas também não me parece que seja aqui o melhor meio para o expor. A Antena 3 tem uma liberdade que advém do facto de não ter que ter publicidade. Pode arriscar, inovar, ser a melhor de todas as estações de rádio que alguma vez existiram neste país. E eu ainda gostava de conseguir isso. E mostrar que é possível.

M&P: Há uns anos, o M&P escreveu uma notícia sobre dois projectos que tinha em carteira: uma revista mensal masculina e um gratuito desportivo. Tem muitos projectos que acabaram por ficar pelo caminho?
FA: A crise explodiu nessa altura e foi justamente aí que os investidores publicitários começaram a retirar-se. São dois projectos que ainda tenho em mente, mas agora já com uma fortíssima ligação ao digital. O papel seria muito residual. Até porque os jornais gratuitos já estão numa fase descendente. E porquê? Porque aquele tempo que as pessoas aproveitavam para os ler, quando iam no Metro ou estavam em qualquer outro lado, aproveitam agora para consultar o smartphone e os tablets. Os tablets e os smartphones tramaram os jornais gratuitos.

M&P: A revista 365 deixou de ser publicada. Agora a prioridade é a edição de livros através do selo Cego, Surdo e Mudo?
FA: Sim, enquanto houver papel. Queremos fazer a melhor e mais invulgar editora de humor em Portugal. Vamos conseguir, até porque não existe nenhuma do género.

M&P: A edição de livros é um negócio lucrativo?
FA: É, se for uma grande editora e se der um tiro certo num Dan Brown da vida. Não andamos à procura do nosso tiro certo, sem que com isso, nos desviemos da nossa linha e da nossa linguagem. Quer isto dizer que não está nos nossos planos editar nenhum romance, nenhum romance histórico, nenhum livro de auto-ajuda nem outros que dizem que encontramos a nossa alma do céu. Para todos os efeitos, o António Raminhos é o nosso Rodrigues dos Santos, mas com passagens bem mais eróticas do que nos livros deste.

M&P: Mais do que um comunicador, parece-se cada vez mais com um empresário da comunicação.
FA: Sou um comunicador que aposta em todas as múltiplas formas que a comunicação nos reserva. É a partilha que me importa, seja ela de conhecimento, de entretenimento, do que for. Gostava de ser uma pessoa importante dentro deste meio e definitivamente não ser mais um nem fazer mais do mesmo. Quero descobrir novas direcções, descobrir novas pessoas, fazer algo que inove e crie movimentos e excitação em torno disso. Não há nada melhor do que ver uma equipa inteira – seja ela numa rádio ou numa televisão ou numa revista – a fazer algo que lhes pareça histórico. Quando Boris Vian falava da espuma dos dias, acho que era disto que falava, da espuma das redacções, dos dias da rádio, da tv, enfim, acho honestamente que ainda está tudo por fazer e quero provar que, com pouquíssimo dinheiro, se consegue fazer coisas extraordinárias. Sim, talvez o seja, definitivamente não fico à espera que o meu telefone toque nem que outros o façam por mim, sou eu que ligo e me faço à estrada e, numa altura em que vou fazer 40 anos, nunca senti tanta vontade de fazer coisas novas, mesmo que elas não sejam muito lucrativas, desde que se paguem e me dêem orgulho (a mim a todos os que vão fazendo parte delas, e isto inclui o público que é absolutamente indispensável). Eu sou aquilo que persigo e acho que ainda estou a meio de tudo aquilo que quero fazer. Gostava de dirigir uma rádio, uma televisão e uma revista que marcassem toda uma geração pela criatividade, pelos conteúdos originais, pela forma como se dirigissem às pessoas. É isso que estou apostado em fazer. E conseguir para mim. E para todos. Acho que há toda uma geração que tem esperança que eu o consiga o quanto antes. De preferência, antes de começar a ficar velhinho e começar a pensar que para renovar um programa é apenas necessário mudar os apresentadores e o cenário, que é o que muitas das vezes se limitam a fazer.



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