“Gostava de dirigir uma rádio, uma televisão e uma
revista que marcassem uma geração”
Entrevista por Rui Oliveira Marques
Este sábado
decorreu o Festival Alternativo da Canção, mais um evento organizado por
Fernando Alvim, que é o criador de vários festivais e concursos. “O Festival
Alternativo da Canção foi criado há cinco anos para provar que era possível
fazer melhor do que o Festival da Canção. E, de facto, não é muito difícil,
basta ouvirmos a canção vencedora deste ano por exemplo”, descreve Fernando
Alvim.
Meios &
Publicidade (M&P): Quantos festivais ou entregas de prémios organiza por
ano? Consegue fazer dinheiro com estas iniciativas?
Fernando Alvim (FA): Organizo o Festival Termómetro, o
Festival Alternativo da Canção, os Prémios Novos, a Regata de Barquinhos aRemos, o Torneio de Golfe para Nabos, os Monstros do Ano, o Portugal é Agora e,
juntamente com o Luís Veríssimo, o Festival do Cano, que vai regressar outra vez
este ano. Em 2014 ainda vamos lançar pelo menos mais duas iniciativas.
Actualmente quase todos os nossos eventos têm um patrocinador que é a Guronsan,
que é o patrocinador mais incrível que alguma vez podíamos ter conseguido. Não
é fácil ter patrocinadores para coisas tão out of the box como as que nós
fazemos e é curioso que são as mais sérias, que fogem um pouco ao domínio do
humor, onde temos mais patrocinadores. É o exemplo dos Prémios Novos, que tem o
apoio da Caixa Geral de Depósitos, da Guronsan e da Delta e que para o ano já
terá a Sagres e a Jameson. Em algumas iniciativas consigo ganhar dinheiro, mas
não muito. Temos uma política de entrada livre e, quando cobramos bilhetes, é
sempre a um preço muito baixo.
M&P: No caso
dos Prémios Novos percebe-se que as marcas queiram associar-se a uns prémios
que remetem para o empreendedorismo e novos talentos. Os directores de
marketing têm medo de associar a sua marca a projectos demasiado irreverentes?
FA: Há esse medo e, com a crise, acentuou-se. O humor é
algo que aproxima, mas que causa também algum receio, pode ser intimidante. É
um bocado como as mulheres que dizem que gostam muito dos homens que as fazem
rir, mas que casam com aqueles que as fazem chorar. Contudo, o humor continua a
ser a forma mais funcional de levarmos uma mensagem a muitos. Já ninguém
acredita naquela coisa da excelência da condução, do serviço, da competência.
As redes sociais mudaram as regras do jogo. As pessoas perceberam que 10 pessoas
a falarem bem de um sítio é mil vezes mais fiável do que um anúncio no jornal
ou na TV a dizer que o sítio é muito bom.
M&P: Há pouco
referiu que tinha mais dois eventos em mente. Não há o perigo de eles começarem
a canibalizar-se?
FA: Não corremos esse risco porque as iniciativas são
diferentes, embora possam existir pontos em comum. Há necessidade de irmos pelo
não-óbvio, pelo não-facilitismo, por não mais do mesmo. Para mim é impensável
criar uma revista que seja igual ou fale a mesma linguagem de outra que já
exista. Se é para isso, não vale a pena mexer-me. Não compreendi muito bem as
bandas de covers por isso, porque é um caminho muito fácil. Difícil é fazer
algo verdadeiramente original. E não estou aqui a dizer que tudo o que eu faço
é muitíssimo original, mas garanto que tento que o seja.
M&P: Em que
ponto está a televisão online Speaky TV? É para manter no formato actual?
FA: O projecto é para ser redimensionado. Terei duas
reuniões, uma com a Zon e outra com a Meo, para darmos um passo que nos parece
obrigatório, isto é, chegarmos à televisão.
M&P: Mas qual
seria então o formato do canal para entrar nessas plataformas?
FA: Não posso adiantar muitos pormenores, mas posso dizer
que gostaria de fazer uma espécie de RTP2 alternativa. Aliás, desenhei este
projecto para a RTP2 numa altura em que me sondaram para me ligar ao canal.
M&P: Que
ligação seria essa à RTP2?
FA: Não posso revelar pormenores porque não veio a
acontecer e seria deselegante da minha parte, mas seria algo com
responsabilidade para com o canal.
M&P: Numa
evolução da Speaky TV para o cabo, seria a primeira personalidade mediática a
criar um canal à sua imagem, quase como a Oprah. Não é uma visão demasiado
pessoal para despertar o interesse da Zon ou do Meo?
FA: Nunca tinha pensado nisso, mas agrada-me a analogia,
podia ser uma espécie de Oprah dos portugueses, embora gostasse de ter um
décimo da sua influência. Consegui que as pessoas olhassem para mim, não como
um simples comunicador, mas também como alguém, que faz de facto. Não tem qualquer
sentido estarmos a dizer que isto está mal e que devia ser mudado e não sermos
nós, justamente nós, a darmos o exemplo e a fazer. É isso que quero. E espero
casar-me com a Zon e Meo em comunhão de bens. Se for um canal que venha trazer
algo de novo e agite esta quase resignação do meio, pode ser um êxito, ter
mercado e espectadores militantes.
M&P: Como vê o
panorama da TV em Portugal?
FA: Vejo-o muito previsível, a arriscar muito pouco, a
seguir uma espécie de playlist, programas cansados no seu formato, a velha
fórmula apresentador mais apresentadora, entrevistas com pessoas a dizerem que
tiveram uma vida de sofrimento com a apresentadora a pegar-lhes na mão e a
olhar para a câmara emocionada e, claro, pessoas a mostrarem netinhas e a
mandarem beijinhos lá para casa. É necessário outro rasgo, apostar em sangue
novo e dar às pessoas não só aquilo que elas querem, mas também aquilo que elas
ainda não sabem mas vão querer. Tenho saudades de concursos divertidos tipo
Jogos Sem Fronteiras, 123, coisas assim. Devia haver uma melhor programação
infantil, o desporto também ele podia ser apresentado de um outro modo. Tenho
mil ideias e pretendo executar algumas delas.
M&P: Em breve
vai voltar à RTP2.
FA: O meu regresso à RTP2 é uma possibilidade mas, a
acontecer, só será em Setembro. Até lá, nunca se sabe, mas não sou rapaz para
ficar parado.
M&P: E na
rádio? Em termos gerais, como descreveria o panorama?
FA: Sou muito crítico em relação à rádio, talvez por
gostar tanto dela. A verdade é que, nos últimos anos, só a Rádio Comercial
surpreendeu no mercado. Inovou, renovou-se, apostou em coisas, usou um
marketing forte e conquistou mercado. E com todo o mérito. Tudo o resto,
parece-me muito resignado. Antes havia uma playlist para a música, agora também
existe para a língua. Como resultado, a grande maioria dos animadores são uns
robots, com pouquíssimo tempo para falar e com conteúdos pouquíssimo naturais.
E sempre a dizer o nome da estação e também o seu, que isso é que é importante
segundo os grandes gurus americanos da rádio. Passo a vida a ouvir dizer: olá o
meu nome é x, você está a ouvir a rádio y, já a seguir uma grande canção só
para si. Será que o ouvinte depois de ouvir isto vai questionar-se: esta música
é mesmo para mim? Só para mim? Oh meu Deus, sou tão especial. As pessoas não
são parvas. A rádio e a comunicação têm que vender a verdade. Há um erro que os
espaços nocturnos fazem muitas vezes. Quando têm muita gente durante um longo
período não percebem que, ainda assim, têm que mudar a decoração, pintar as
paredes, renovar o staff e os sofás. Com a rádio e a TV também deve ser assim.
Se não querem fazer nada, ao menos, mudem os jingles, os indicativos, só para
dar a ideia de que estão a fazer alguma coisa. Enervo-me quando falo sobre a
rádio e tenho consciência de que sou um privilegiado.
M&P: Porquê?
FA: Apresento um programa na mesma hora, na mesma estação
[Prova Oral, na Antena 3], há 13 anos, com uma audiência assinalável e com toda
a liberdade do mundo. Acho que tenho merecido a liberdade e a confiança que me
têm dado. No entanto, assumo que a Antena 3 podia ser também muito melhor, mas
vou querer sempre que as coisas sejam muito melhores.
M&P: Se
pudesse programar uma rádio pública para o target jovem, como a Antena 3, que
programas ou formato teria?
FA: A pergunta é demasiado complexa mas faria dela uma
estação que acompanhasse as novas tendências e que apostasse no sangue novo,
isto é, descobrir, descobrir, descobrir, divulgar, divulgar, divulgar. Tenho
também um plano para a rádio, mas também não me parece que seja aqui o melhor
meio para o expor. A Antena 3 tem uma liberdade que advém do facto de não ter
que ter publicidade. Pode arriscar, inovar, ser a melhor de todas as estações
de rádio que alguma vez existiram neste país. E eu ainda gostava de conseguir
isso. E mostrar que é possível.
M&P: Há uns
anos, o M&P escreveu uma notícia sobre dois projectos que tinha em
carteira: uma revista mensal masculina e um gratuito desportivo. Tem muitos
projectos que acabaram por ficar pelo caminho?
FA: A crise explodiu nessa altura e foi justamente aí que
os investidores publicitários começaram a retirar-se. São dois projectos que
ainda tenho em mente, mas agora já com uma fortíssima ligação ao digital. O
papel seria muito residual. Até porque os jornais gratuitos já estão numa fase
descendente. E porquê? Porque aquele tempo que as pessoas aproveitavam para os
ler, quando iam no Metro ou estavam em qualquer outro lado, aproveitam agora
para consultar o smartphone e os tablets. Os tablets e os smartphones tramaram
os jornais gratuitos.
M&P: A revista
365 deixou de ser publicada. Agora a prioridade é a edição de livros através do
selo Cego, Surdo e Mudo?
FA: Sim, enquanto houver papel. Queremos fazer a melhor e
mais invulgar editora de humor em Portugal. Vamos conseguir, até porque não
existe nenhuma do género.
M&P: A edição
de livros é um negócio lucrativo?
FA: É, se for uma grande editora e se der um tiro certo
num Dan Brown da vida. Não andamos à procura do nosso tiro certo, sem que com
isso, nos desviemos da nossa linha e da nossa linguagem. Quer isto dizer que
não está nos nossos planos editar nenhum romance, nenhum romance histórico,
nenhum livro de auto-ajuda nem outros que dizem que encontramos a nossa alma do
céu. Para todos os efeitos, o António Raminhos é o nosso Rodrigues dos Santos,
mas com passagens bem mais eróticas do que nos livros deste.
M&P: Mais do
que um comunicador, parece-se cada vez mais com um empresário da comunicação.
FA: Sou um comunicador que aposta em todas as múltiplas
formas que a comunicação nos reserva. É a partilha que me importa, seja ela de
conhecimento, de entretenimento, do que for. Gostava de ser uma pessoa
importante dentro deste meio e definitivamente não ser mais um nem fazer mais
do mesmo. Quero descobrir novas direcções, descobrir novas pessoas, fazer algo
que inove e crie movimentos e excitação em torno disso. Não há nada melhor do
que ver uma equipa inteira – seja ela numa rádio ou numa televisão ou numa revista
– a fazer algo que lhes pareça histórico. Quando Boris Vian falava da espuma
dos dias, acho que era disto que falava, da espuma das redacções, dos dias da
rádio, da tv, enfim, acho honestamente que ainda está tudo por fazer e quero
provar que, com pouquíssimo dinheiro, se consegue fazer coisas extraordinárias.
Sim, talvez o seja, definitivamente não fico à espera que o meu telefone toque
nem que outros o façam por mim, sou eu que ligo e me faço à estrada e, numa
altura em que vou fazer 40 anos, nunca senti tanta vontade de fazer coisas
novas, mesmo que elas não sejam muito lucrativas, desde que se paguem e me dêem
orgulho (a mim a todos os que vão fazendo parte delas, e isto inclui o público
que é absolutamente indispensável). Eu sou aquilo que persigo e acho que ainda
estou a meio de tudo aquilo que quero fazer. Gostava de dirigir uma rádio, uma
televisão e uma revista que marcassem toda uma geração pela criatividade, pelos
conteúdos originais, pela forma como se dirigissem às pessoas. É isso que estou
apostado em fazer. E conseguir para mim. E para todos. Acho que há toda uma
geração que tem esperança que eu o consiga o quanto antes. De preferência,
antes de começar a ficar velhinho e começar a pensar que para renovar um
programa é apenas necessário mudar os apresentadores e o cenário, que é o que
muitas das vezes se limitam a fazer.
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