Monday, February 24, 2014

UMA CRÓNICA ESPECIAL

Não é só o Mourinho que gosta de ser especial, todos nós – mesmo que não o admitamos – gostamos também. E as pessoas que não são especiais ou julgam não ser, procuram no fundo quem o seja e torne especial uma existência que desafortunadamente não tem sido. Há pessoas que não se acham nada de especial  – nada contra – mas também pouco fizeram para o ser. Ouçam bem,  isto de ser só especial porque se respira e vive só acontece aos príncipes de Inglaterra. Convencionou-se, no entanto, que as pessoas que se acham especiais e publicamente o afirmam, são presunçosas e convencidas, enquanto os que dizem que não se acham nada de especial, são vistas como pessoas modestas e simples e boas. Basta, por isso, ter dois neurónios na testa para rapidamente perceber que alguém que se acha especial não deve publicamente afirmá-lo, excepto se for o Mourinho ou o Ronaldo. E assim, de cada vez que vejo alguém a dizer que não se acha nada de especial depois de ter assinado um qualquer acto glorioso, duvido muito que esteja a falar verdade. O que está é com vergonha de o admitir, porque não quer se considerado uma besta.  Mas depois diz que a comida da mãe é especial, que a noite foi especial, que o Orçamento de Estado foi especial, que a nave é especial.  Eu gosto de pessoas especiais, sim, e gosto de ser considerado como uma, sim, e admito que gosto de tratar a maioria das pessoas como se também assim fossem. Não há nada melhor do que sermos tratados como uma pessoa especial, desde que não nos algemem ou nos asilem numa embaixada. Ser especial e ser livre é das melhores coisas que podemos ambicionar. No jornal i, durante todos estes anos – foram 3 –, também senti isso. Decidi fazer agora uma pausa para restabelecer a minha sanidade mental, mas é bem possível que um dia regresse. Obviamente, se for especial. 

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de William Wegman]

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