Monday, February 10, 2014

UM MILHÃO PERDIDO


Ando com vontade de perder um milhão. Vejo as notícias na televisão e todas as pessoas já perderam um milhão e eu não sou menos do que elas. Não sou não. De início, basta-me perder um milhão mas, se gostar – e não vejo porque não hei-de gostar – não excluo a hipótese de perder vários com o passar dos anos. Gostava de perder um milhão que é meu e depois um milhão que não fosse meu, mas que desta vez não fosse da função pública, só para variar. Na verdade, gostava de saber o que é um milhão, o que é ganhar um milhão, e quando as notícias me dizem que aquela empresa perdeu não sei quantos milhões, que aquele empresário encaixou duzentos e tal, eu honestamente olho para os números com o mesmo pasmo com que olho o universo e sua infinitude. Quantas estrelas tem o universo? Quanto é mil milhões de euros? Onde fica exactamente o planeta plutão? O que é uma transferência de 256 milhões? Por isso, gostava tanto de saber e imagino-me a chegar a casa vindo do emprego, com a minha mulher a beijar-me de forma sôfrega à entrada, os meus 6 filhos a abraçarem-me ao tiracolo como se eu fosse um cantor tirolês e, chegados à mesa, dizer-lhes com um encolher de ombros isto: olhem garotada, perdi um milhão! E depois disto um silêncio, a minha mulher a olhar para mim, eu para ela, os miúdos para a televisão, depois para os dois, eu para a minha mulher, ela para mim, os miúdos, de novo a tv e quase ao mesmo tempo, uma explosão de riso e copos no ar pela sala, como se Portugal tivesse abandonado a troika. E a minha mulher beija-me de novo e os garotos saltam para cima de mim como se eu fosse um colchão do funkids e todos festejamos um milhão perdido, porque perdemos um milhão, mas não nós. Por isso gostava tanto de perder um milhão, não pelo dinheiro em si, confesso, mas para ter, como se vê, esta família numerosa num tempo destes.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Georgi Zelma]

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