Monday, January 13, 2014

Um país sem vergonha

Não há país no mundo que tenha uma vergonha igual à nossa. Os outros países podem ter vergonha mas, igual à nossa, não têm não senhor. A vergonha portuguesa é única em todo mundo e por onde se passe são muitas as pessoas que a consideram uma referência maior. E, na verdade, é de facto. Para que me entendam, a vergonha portuguesa está para o mundo como o grau celsius está para a temperatura, isto é, vê-se um acto vergonhoso em qualquer parte do planeta e, quando este é analisado por alguém, será sempre à luz da nossa vergonha. Ainda outro dia estava uma senhora na CNN a comentar um arrufo qualquer que teria ocorrido naquele mesma tarde numa rua esconsa da cidade de Chicago. E o que dizia ela? Dizia isto: que tinha sido terrível e embaraçosa toda aquela situação, de tal forma – dizia a senhora – que sentiu – e aqui colocou as mãos à cabeça – a vergonha portuguesa. Ao que o repórter retorquiu: portuguese shame? Oh my god! E aí o jornalista começou a correr e, depois disso, só se vê um plano da rua com este a repetir até à exaustão – “portuguese shame, oh my god!” – enquanto corria histericamente por entre o trânsito. Por isso, quando se vai lá fora e se fala em Portugal, há três coisas que imediatamente qualquer cidadão de outra nacionalidade diz sobre a nossa: Cristiano Ronaldo, José Mourinho and “oh my god, the portuguese shame!”. Daí que a vergonha seja uma espécie de desporto nacional e não exista para qualquer português nada mais indigno do que não a ter. Daí serem tantos, tanta gente que diz “isto é uma vergonha” e não raros os que apontam a falta dela, quando desabafam: “Deviam ter vergonha!” Portugal tem muita vergonha tem, a tal ponto que dá a impressão de estar nu, ruborizado, tapando com as duas mãos o baixo-ventre. Portugal tem vergonha de tudo, de todos, muitas vezes dele próprio, e por isso mesmo, por ter tanta vergonha, deixa que esta o tolha e estanque e anule. A vergonha deve ser encarada com uma erva aromática, cuja dosagem deve ser moderada – a certa – para não inquinar todo o sabor. Portugal sabe muitas vezes a vergonha, porque se deixa apoderar por ela e faz com que esta o intimide. Portugal seria um país melhor se tivesse menos vergonha, se tivesse menos pessoas cuja única coisa que sabem dizer é que isto é uma vergonha, que tudo é uma vergonha, sem que nada façam para deixarem de a ter e resolvê-la. Portugal não precisa de ter tanta vergonha, pode muito bem exportá-la e dar a alguns países a quem lhes fazia tanta falta. Portugal devia ter vergonha – isso sim – de ter tanta vergonha.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Matt Eich]

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