Monday, December 30, 2013

Obviamente, demita-se

Liga-se a televisão e uma ruidosa manifestação de pessoas cheias de fúria e ódio exigem a demissão. Não de um, mas de todos. De toda a gente. Que todos se demitam por manifesta incompetência e óbvia corrupção. Liga-se o rádio e, nos habituais comentários dos fóruns de opinião, um ouvinte entra nervoso, fala alto e apressado, pergunta mais do que uma vez “estão a ouvir bem? Estão a ouvir bem?” e quando tem a certeza que sim, que estão todos a ouvir bem, diz que obviamente eles têm que sair e abandonar o cargo. E já, que amanhã é longe. Nos jornais, o líder da oposição - seja ele qual for - dá uma entrevista de duas páginas onde com um ar zangado, ajeitando os óculos e, dedo em riste, diz o que há muito não se ouvia, “que o primeiro-ministro não tem condições para continuar e deve demitir-se”. É algo universal e não creio que exista alguém que ocupe o lugar da oposição e cuja primeira ideia em relação a qualquer opinião não seja obviamente pedir a demissão: senhor deputado o que pensa da política em relação à Cultura e Pesca deste governo? Olhe, eu acho, antes de tudo, que este governo deve demitir-se. Já. E em relação à sua pergunta, nada tenho a acrescentar”; “E em relação à nova grelha televisiva da tvi? Olhe, em relação a isso, eu só tenho uma coisa a dizer, acho que este governo deve demitir-se. E também acho que a Judite de Sousa abusa no eyeliner. No emprego, os trabalhadores só encontram uma solução para a empresa: a óbvia demissão de quem os administra. No futebol, se os resultados não atingem a glória esperada, parece-me que não restam dúvidas que o caminho a seguir, a solução milagrosa, é a demissão do treinador. E assim toda a gente quer a demissão de toda a gente, do mundo, do país, daquela pessoa, daquelas pessoas, dos políticos, dos patrões, dos trabalhadores e não tarda dos sindicatos e dos manifestantes de rua. A ideia que eu tenho é que o mundo não gosta de ser mandado. O mundo gosta de mandar, o mundo é patrão. E a certeza que levo - reparem como sou visionário e profético - é que os que pedem hoje a demissão, serão obviamente os demitidos do amanhã.  

Fernando Alvim 
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Thomas Leuthard]

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