Monday, December 02, 2013

A IDEIA SOMOS NÓS


Nem tudo é mau nesta crise, como sempre acontece em cenários como este. A crise é uma coisa má, péssima, terrível, dramática em muitos dos casos, mas ainda assim não tão má, não tão vil, como nos subtrairmos todos (falecer, pronto) num acidente ferroviário ou num tsunami ou – deixem-me cá ver uma coisa mais pesada – num atentado que dizima metade dos que conhecíamos. Aqui sim, num cenário destes que agora revelo, é impossível dizermos, depois de termos perdido uma porrada de gente que conhecíamos, que  “nem tudo é mau neste acidente!” E porquê? Porque é tudo mau caramba, porque não há parte boa mesmo que ali continuemos vivos. Com a crise - esta crise –, parece-me um tanto ao quanto diferente. A verdade é que ainda estamos vivos – prova disso é que eu estou a escrever neste momento esta crónica e belisco-me precisamente para confirmá-lo - e que apostaria uns valentes 1000 dólares, 1000 moedas de oiro, que mais de metade das pessoas que me estão a ler, estão igualmente vivas. O problema é que o que realmente nos preocupa não é bem se estávamos vivos ou mortos, mas justamente a forma como vivemos. E há quem pareça morto estando vivo. E há quem pareça vivo, estando morto. Lili Caneças não o diria melhor. A verdade, é que estamos todos vivos mas, ainda assim, é justo dizer que a crise veio pelo menos unir-nos. Portugal está mais unido, porque não é um problema só nosso, é um problema de todos, não é só uma inundação no andar de cima – não é não – é uma inundação que vem do telhado e que vem por aí abaixo afectando todos e alagando tudo. Por isso, o que está a acontecer é que saímos todos para os corredores do prédio, discutindo o que se passa com o vizinho da frente, agindo, falando, pegando em baldes, arregaçando as mangas e estacando de uma forma colectiva o problema. E isso é o melhor de Portugal, resolver o incêndio, a inundação, o acidente, antes mesmo que cheguem os bombeiros. E mesmo que estes cheguem, repararmos depressa, extinguirmos com fúria, para que tudo se resolva. Portugal não voltará ao que foi, há um Portugal que nunca mais teremos, que perdemos de forma definitiva, Portugal está mais pobre, sim, está mais triste, sim, mas algo me diz que aí vem um Portugal novo – vi isto no Oráculo de Bellini  -  e possivelmente um Portugal melhor (isto no tarot da Maya). A ideia é não estarmos quietos, nem à espera que nos telefonem a fazer o tal convite ou a lembrarem-se de nós. A ideia somos nós. E é melhor arrepiarmos caminho antes que outros o façam.  

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Aaron Huey]

No comments:

Post a Comment