Monday, December 23, 2013

A felicidade faz-me feliz

Há três tipos de felicidade no mundo: a felicidade com a felicidade, a felicidade com a infelicidade e a felicidade de Natal. A felicidade de Natal é desde logo a mais feliz de todas, porque é uma felicidade que embora constrita a um curto período, é tantas vezes desejada, que mesmo o mais infeliz de todos, com tanta sms, postais, cartas, tantos mails, ainda que contrariado, acaba por ser feliz. E ser feliz não é coisa pouca. É muito. E por tantos não o serem, ficam felizes com a infelicidade dos outros. E eu entendo. Porque saber disso, conforta-os. De resto, as pessoas infelizes, gostam de se dar com outras tanto ou mais infelizes do que elas. E as pessoas felizes também. Aliás, são como se fossem dois clubes rivais. As pessoas infelizes não gostam de pessoas felizes. E as pessoas felizes querem distância de cidadãos portadores de infelicidade.

Contudo, ao contrário do que todos pensam, não é verdade que as pessoas infelizes queiram algum dia vir a ser felizes. Não é não: um verdadeiro infeliz gosta da sua infelicidade e não raras vezes é vê-lo aos saltos por entre férteis searas gritando alegremente: Sou tão infeliz! Sou tão infeliz! E os felizes fazem o mesmo só para fazer pirraça. A infelicidade, no entanto, é mais mobilizadora que a felicidade e os infelizes sabem bem que essa é a sua maior vantagem. Mais depressa o mundo se une para ajudar um país a ultrapassar uma qualquer calamidade – desde uma catástrofe natural a um concerto da Celine Dion – do que para um qualquer ajuntamento que celebre a felicidade (esqueçam por favor o Natal). Contudo, o que verdadeiramente distingue os felizes dos infelizes é isto: os infelizes sabem que a sua infelicidade é menos permeável à mudança – é consistente e sólida – enquanto a felicidade é lamentavelmente mais desequilibrada e estéril, do que alguém que atravessa o Irão abraçado ao Salman Rushdie.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Martin Parr]

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