Monday, November 18, 2013

O MUNDO AO CONTRÁRIO


Percebi esta semana que nem Pitágoras nem Sócrates deixaram o que quer que seja escrito e que tudo o que é dito sobre eles pode muito bem ser pura especulação. É certo que foi há uns valentes séculos atrás mas ainda assim pasmo, boquiaberto. E começo a duvidar de tudo, desde a criação do mundo à tese de que é a terra andar à volta do sol e não o contrário. Bem sei que isso terá custado a vida a Galileu, mas mais avisado, eu não faço aqui afirmações lapidares. Quando muito pergunto dessa forma. De tal modo que duvido igualmente se estaremos ainda todos vivos ou se, mesmo sem que o saibamos, estejamos já todos mortos. A filosofia para além de nos fazer pensar, faz-nos perguntar muito mais do que responder. Daí não ter dúvidas de que nos tornamos mais filósofos do que aquilo que suspeitamos. Na televisão, na rua, no café, mais do que respostas, o que ouvimos são perguntas em formas de respostas. Ninguém sabe ao certo nada, mas todos se questionam como se tudo soubessem, sem a humildade necessária para reconhecer que não se sabe nada. Nada. Há uma conspiração absoluta em cima das nossas cabeças e o que todos tememos é que ela caia justamente sobre elas, sobre a nossa, com estrondo. A informação é tanta, de tantos lados e tantas fontes que, por vezes, na fatídica e decisiva triagem entre todas elas, confundimos o que é verdade do que é mentira. E por vezes trocamo-las, como se tivéssemos errado os pés ao calçar os sapatos. Na minha infância, perante a perniciosa dificuldade em acertar com cada pé no sapato certo, guardei para mim as sábias palavras do meu progenitor, que um dia me disse: meu querido filho, para que calces sempre os sapatos bem, ouve o teu querido pai e faz sempre isto: primeiro pensa como achas que deverá ser, para que pé é cada sapato. E quando julgares saber qual é a resposta certa, faz exactamente o contrário. 

Fernando Alvim 
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Cerise Doucède]

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