Monday, October 28, 2013

UMA REUNIÃO PORTUGUESA

Não há país no mundo em que as reuniões corram tão bem como Portugal. Existe o banho turco, o whisky escocês, a salsicha alemã, o beijo francês e se me permitem, deveria ser acrescentada a esta lista e reconhecida de forma universal, a reunião portuguesa. E digo-o com uma convicção férrea, porque a reunião portuguesa me parece, entre todas, a que corre incomparavelmente melhor. De tal modo, que não há registo histórico – e olhem que estive na torre do tombo aos papéis – de uma reunião em Portugal ter corrido mal. Quando muito, pode ter corrido mais ou menos bem, agora mal? Desculpem, mal? Não, isso nunca aconteceu. As reuniões correm bem em Portugal – desculpem, correm muito bem em Portugal – porque o que ali é proposto e dito não é na sua grande maioria das vezes para levar em frente. Pensa-se que os portugueses são pessimistas e negativos, mas chegado a uma reunião, o português transforma-se num folião do Carnaval carioca. Uma reunião em Portugal é uma festa que se confunde muitas das vezes com uma fantasia. Nela podemos ser quem quisermos sob qualquer disfarce, nela podemos dizer que iremos mudar o mundo, que já amanhã faremos o que ali nos propomos; nela podemos prometer, dizer que o passado não importa e só futuro interessa; nela podemos ser tudo o que fora dela não somos. Por isso as reuniões correm tão bem em Portugal e existem tantas, porque depois de elas acabarem, na sua grande maioria, tornam-se inconclusivas. Irreais até. Não houvesse um “depois da reunião” e seria tão melhor. Com o antes aguentamos bem, agora o depois estilhaça-nos por dentro, porque a realidade que encontramos depois de sair da porta da reunião é invariavelmente pior do que a que encontrámos lá dentro, nos esquemas apresentados no quadro digital. A reunião portuguesa tem este problema, é muito positiva, diz muito “é claro que vamos conseguir! É claro que é uma excelente ideia! É claro que iremos fazer!” mas, depois da reunião, nada fica claro. Pelo contrário, fica uma escuridão invernosa. As reuniões em Portugal são verão em Agosto, sair delas são cheias em Novembro. Por isso é que é uma reunião portuguesa, de tal modo que eu, quando vou a uma, pergunto desde logo com quem me vou reunir: ouça, isto é uma reunião portuguesa ou é para fazer mesmo? Em Portugal reúne-se demais e por isso a desculpa mais usada quando se liga para uma empresa e se quer falar com alguém é “está numa reunião”. E estão mesmo. Há pessoas que estão numa reunião desde que as conheço. Gostava de ter falado com elas, gostava que tivessem tido uma família, amigos, uma vida até, mas em vez disso preferiram uma reunião. O que poderia até ser produtivo, se não se tratasse na sua grande maioria da já citada reunião portuguesa. Possivelmente, a única coisa que se faz – a reunião – e, desafortunadamente, não o que nela se propõe.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Alex Prager]

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