Monday, September 23, 2013

NUNCA NUNCAR

As pessoas ficam muito espantadas com o que lhes acontece na vida como se isso não a fosse. Parte-se uma perna num acidente fortuito e todos reagem com espanto "como é possível", "que coisa aconteceu", "que infeliz sorte", a casa é assaltada e é um deus nos acuda "que só aqui é que isto acontece", "que os polícias só são bons a passar multas", "que azar de vida é este", morre alguém "ai virgem santíssima", "ai que grande desgraça", "ai a minha vidinha".

E se em algum dos casos, esse espanto, essa surpresa de que agora falo, pode até ser um pouco justificada, por mais que nos custe, a vida é isto. Isto o quê? Isto.

Espantoso e surpreendente é se alguém nos diz que nunca teve um acidente, que nunca foi assaltado, que nunca esteve doente, que nunca se esqueceu da chave dentro de casa, que nunca perdeu os documentos, que nunca se apaixonou, que nunca nuncou. Isso sim, é anormal e passível de fazermos desde logo os testes médicos a quem isso nos revela, de forma a confirmar se o coração bate.

A vida é isto e não há nada a fazer. Por isso é tão perigosa a palavra "nunca" e tanta gente defender que não a devemos dizer em vão, vem daí o nunca digas nunca. Porquê? Porque é difícil garantirmos que a nós não irá acontecer. Se pode acontecer, é bem possível que nos aconteça.

E eu não quero assustar ninguém, mas quase que aposto que morrer é uma dessas coisas, com excepção de mim, que como toda a gente sabe sou imortal. Morrer é uma fatalidade sim, mas por mais que nos custe - e é estranho dizê-lo - morrer é também a vida.

Fernando Alvim
Publicado originalmente no Jornal i
[Fotografia de Erin Hanson]

No comments:

Post a Comment