Wednesday, March 20, 2013

Balanço Vital no Metro


Cá vai mais um Balanço Vital. Desta vez, estivemos à conversa com o jornalista Carlos Narciso.

Cinco coisas que já fiz.

1
Em 1997 atravessei o Oceano Atlântico num barco à vela. Largámos de Lagos em meados de Novembro… chegámos à baía de le Marin, na Martinica, 26 dias depois. Dessa viagem fiz um documentário.  Dei-lhe o título “Navegar”… tinha 40 minutos, em duas partes. Era lindo de se ver. Por várias razões, foi uma história contada com amor. Mas o Rangel considerou que “não fazia o género da SIC” e meteu-o numa gaveta. Em 2001 ou 2002, a Cândida Pinto (quando foi directora da SIC-Notícias) quis exibi-lo na programação de Verão… mas o arquivo não foi capaz de encontrar a 2ªparte… perderam a cassete… acreditam nisto?

2
Já conheci pessoas extraordinárias.Todos os dias, Claudino atravessava a aldeia para chegar à última casa. Era uma habitação redonda, de pau a pique e telhado de palha. Uma casa muito pobre, a precisar de reforma. Vivia ali uma família. Duas irmãs e o filho de uma delas. As velhotas eram mesmo muito velhas, centenárias, o próprio filho já não era um jovem. Era a família mais pobre da comunidade. O homem tinha ficado aleijado há anos e era incapaz de fazer o que quer que fosse para procurar sustento para si e para as duas mulheres. Elas, eram uma imagem terrível. Cegas, muito magras, mal se mexiam. Claudino atravessava a aldeia, todos os dias, para passar umas horas com as velhotas. Pelo caminho, roubava sempre qualquer coisa. Um cacho de bananas, um ananás, uma raiz de mandioca, qualquer coisa que lhes pudesse servir de alimento. Arrastava as velhas para fora da palhota, para que elas pudessem respirar ar fresco e apanhar um pouco de sol e vento. E ficava ali a conversar com elas. Falavam kizande, nunca percebi uma palavra do que diziam. Mas acho que lhes contava histórias alegres, porque elas riam. Era em Bambilo, algures na floresta do Norte do Congo. 

3
Pisei uma mina, em Angola. O chão era de areia, ensopada pela chuva. O mato era denso, arbustos altos, poucas árvores. Não havia trilho. A recomendação era para pisar nas pegadas do homem da frente. Não tirava os olhos do chão, não fosse falhar a marca da pegada. Mas a voz do homem que seguia à frente, estava sempre nos meus ouvidos. “Ali tem mina”, “ali tem mina” dizia ele com frequência, desviando-se meio metro para a direita ou para a esquerda, para fintar a “semente do diabo". Chegámos ao destino, o local onde estava mais um dos tanques russos que a UNITA tinha utilizado na última grande ofensiva sobre a cidade do Cuito. Estávamos em Janeiro de 1999 e a cidade acabava de se livrar de um cerco de 43 dias. O último, da longa guerra de quase 30 anos. Estávamos, portanto, ali, a admirar o tanque de lagartas quebradas… para tirar uma foto melhor, escolhi um ponto ligeiramente mais alto, uma pequenina elevação de terreno, encimada por um arbusto seco… estava lá em cima, quando a voz se fez ouvir de novo: “aí tem mina”… olhei para o tipo e percebi que aquilo era comigo. Olhei para o chão e senti que estava onde não devia… antes de ter tempo de começar a tremer, a voz acrescentou “tem mina anti-carro”… os meus 85 kg não eram suficientes para a detonar…

4
Assisti a um milagre… nas Montanhas Nuba, no Sudão, fui testemunha do milagre da multiplicação… das galinhas. Num dos locais onde parámos para retemperar forças havia uma espécie de hospedaria. Era uma palhota de pau a pique, sem paredes. Tinha uns muros baixinhos que dividiam a casa nas várias salas. E tinha uma zona onde se cozinhava, numa fogueira de lenha. Ficámos ali quase 24 horas. As bolhas nos pés estavam a matar-nos… De modo que vi aquela senhora cozinhar para muitas pessoas.. Ela tinha uma galinha, pronta a ser cozinhada. Vi essa galinha ser fervida umas 15 vezes, ao longo desse dia. A mulher, por cada fervura, juntava na panela umas verduras e sementes de sésamo. Servia o caldo, mas guardava a carne que, depois, voltava a ferver para os clientes seguintes. Por cada fervura, a galinha ia soltando alguma carne, até que desapareceu por completo. Mas, deste modo, uma galinha ajudou a alimentar dezenas de pessoas.

5
Já fiz confusões inacreditáveis… O Hollyday Inn de Sarajevo, naquelas anos de brasa, era o melhor hotel do Mundo. Quanto mais não fosse, porque não havia outro… Por mais avisados que estivéssemos, o que encontrámos… O hotel não tinha elevadores nem água corrente.  A janela do quarto tinha sido “alargada” pela entrada de um obus, de modo que os serviços de manutenção do hotel tinham reconstruído a parede, com tijolo e cimento, e tinham feito um caixilho de madeira para a janela onde pregaram um enorme plástico grosso. Ao menos, o vento não entrava.  A falta de água era o problema…  não havia modo de tomarmos banho. A casa de banho não podia ser usada… não havia autoclismo… E assim foi… quando a necessidade apertava, bastava descer a pé doze andares para ir à casa-de-banho do hall… que tinha trampa até ao tecto! O banho era de copo ou o chamado “banho checo”, no bidé… mas, quando em Itália fui às compras e comprei água mineral, inadvertidamente só comprei água gaseificada. Ah!, aquela sensação de lavar o rabo com água gaseificada…

5 ainda por fazer

1 Ver crescer os meus filhos e contribuir para que sejam felizes.
2 Ter tempo para envelhecer ao lado da minha mulher.
3 Ter um encontro imediato debaixo de água com um dugongo.
4 Mandar o patrão dar uma curva.
5 Soltar amarras e dar dez voltas ao Mundo no meu barco à vela.


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