Eu não quero ficar na bancada a ver o jogo; quero comer a relva, marcar o golo, decidir o resultado. Não quero mais sentar-me na cadeira do cinema, quero ser o filme, o actor principal, o benfeitor que salvará a cidade do mal e da ruína. Não quero mais que me governem, quero ser o meu governo, taxar os meus impostos, ser o meu próprio Vítor Gaspar. Não quero mais ler o livro, quero ser o livro, capa e contracapa, cada uma daquelas palavrinhas, o triste início, o belo fim. Não quero ser mais um dia, não quero não, eu quero ser o dia, um belíssimo dia de sol, o dia que todos aguardavam, que todos celebram à minha chegada, tal qual o Natal e a passagem de ano. Não quero mais assistir, quando muito quero fazer algo para que assistam.
Até porque quero ter culpa e perceber que é a minha e dizer muito alto “a culpa é minha!” como quem acaba de partir um copo de vidro no chão e diz com furiosa honestidade: “Fui eu!”
Quero ter sido eu sim, a fazer algo, a dizer eu fiz. Mas não quero estar mais deste lado a assistir a isto, por mim chega. Quero pois que saibam que estou agora a levantar-me da cadeira, a arregaçar as mangas e preparadinho para ir buscar uma maçã ao frigorífico. Não sei se é assim que se começa uma revolução, mas garanto que irei trincá-la.
Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia de Cig Harvey]
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