Thursday, December 20, 2012

As pessoas a quem podia ter acontecido


Não tenho a menor dúvida de que só existem dois tipos de pessoas: as pessoas que acontecem e as pessoas a quem podia ter acontecido. E se me permitem, vou começar por estas últimas. As pessoas a quem podia ter acontecido são normalmente as mesmas pessoas que podiam ter dito e que podiam ter feito e que podiam ter vencido e alcançado e vencido, no fundo que podiam ter subido, no fundo, que podiam ter sido. E mesmo quando não são, dão-se muitíssimo bem. Pelo contrário, já as pessoas a quem acontece, são pessoas complexas e naturalmente complicadas. E porquê? Porque são pessoas que realmente fazem – e isto como se vê começa logo mal – e mais: são pessoas que dizem, imaginem isto? Que vencem, que alcançam por Deus? Que em vez de optarem inteligentemente por poderem ter sido, são de facto. E ser de facto, não é tão bom como parece: porque só o facto de se ser, de existir, faz com que logo à partida possamos ganhar ou perder. E num caso ou noutro, vos garanto que nunca será consensual. Daí que o melhor que nos pode acontecer é sermos alguém a quem poderia ter acontecido. Mas para isso, é necessário sermos abençoados. E isso não está ao alcance de todos. As pessoas a quem podia ter acontecido são maravilhosas e podem ser quem quiserem. Podem ganhar o prémio nobel, a lotaria de natal, o euromilhões, podem ser de uma inteligência superior mas nunca compreendida, claramente a pessoa mais bonita que o mundo viu, a mais poderosa que conheceu. As pessoas que podiam ter acontecido têm sempre razão, podem ter tudo o que querem, alcançar tudo o que perseguem, porque ao não acontecermos, a verdade, podemos ser quem quisermos. Acontecer é porno, poder ter acontecido, é erotismo. Acontecer é prisão, é pulseira eléctrica, poder ter acontecido é saltos em campos verdejantes, é nudismo na praia 19. Daí que não só é mais fácil ser uma pessoa a quem podia ter acontecido, como é seguramente muito melhor. Porque embora nada aconteça, aí podermos ser tudo. E ao acontecermos, podemos não vir a ser nada. 

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

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