As pessoas falam muito na vingança mas ninguém fala no rancor. Pois bem, alguém tinha que o fazer. O rancor é muito pior que a vingança porque se guarda, porque remói como alguém que dá voltas na cama sem pregar olho. A vingança nisso é muito mais prática e por isso mesmo é adjectivável. Quem quer vingança vinga-se, quem quer rancor não se ranque ou lá o que é. A vingança sai de casa, entra no café e mata o homem à queima-roupa para seguir a sua vida; o rancor não, prefere matar de forma mais lenta, agoniante mesmo, primeiro polvilhando tudo à volta e depois acendendo o fósforo que incendiará a aldeia. Daí que a vingança seja muito mais popular que o rancor, porque este último é mesquinho e torpe e a vingança é directa e frontal, como se deve ser. Daí tantos filmes. Existe a vingança da Pantera Cor-de-Rosa, não existe o rancor da Pantera Cor-de-Rosa, existem os Vingadores, não existem os rancorosos. E porquê? Porque a vingança tem o coração ao pé da boca provando assim que o tem, enquanto o rancor nem isso nos garante. A vingança quer resolver o que houver para resolver mesmo que para isso tenha de haver chapada e pólvora em formato de cápsula a sair de um cano metalizado; o rancor quer ficar ali, onde tudo aconteceu, remexendo o passado, revolvendo a terra, burocratizando o processo, metendo papéis e mais papéis para que a vida não ande.
E é isso que tanto nos distingue, saber os que querem andar para a frente e os que teimam em impedir o avanço. A vingança é Verão e por isso se serve a frio, o rancor é Inverno rigoroso, é noite escura e alimenta-se de bolorentas entranhas do passado. Por isso é que Paulo Bento devia ter convocado Ricardo Carvalho e Bosingwa – sim era aqui que eu queria chegar –, porque ao fazê-lo estaria a provar que não lhes guardaria qualquer rancor (mesmo que de facto guardasse) e que o interesse nacional para estarmos estarmos representados na máxima força se sobrepunha a tudo e seria infinitamente superior a qualquer quezília, mesmo séria e grave. O que Bento não percebeu é que essa poderia ser a sua doce vingança, obrigando-os não a ver o encontro no sofá, mas justamente interrompendo-lhes as férias no Algarve.
Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
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