Wednesday, January 05, 2011

Nunca morrerei mais de 70!



Depois de perceber que tudo o que eu tiver feito na minha vida, 70 anos depois da minha morte, passará a ser do domínio público com ou sem o meu consentimento, quero aqui deixar bem claro que no caso de morrer – o que acho bastante improvável – não quero ficar morto por mais de 50 anos.

Por mim podem invocar o que quiserem, desde o interesse nacional à importância do legado deixado para o mundo que eu irei sempre abanar a cabeça, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda e outra vez e outra vez e outra vez. Não concordo e nada me fará mudar de opinião, com excepção eventualmente da Charlize Theron em roupa interior.

Daí que quando vejo obras póstumas a serem reveladas ao público, questiono-me sempre se o seu autor ainda em vida o teria permitido. Aliás, devia haver esta possibilidade: a possibilidade de através daquela médium inglesa da TVI que fala com as pessoas que deixaram de respirar, de lhes perguntar abertamente isso. De perguntar a alguém que está morto se não se importa de ver publicada a sua obra, desde a incompleta à que em vida não decidiu revelar ao público. Porque reparem, se não o fez deve ter sido por algum motivo, ou não? Sinceramente, eu gostava muito de saber junto de alguém que tenha morrido de repente – que é uma coisa que às vezes acontece – se não se importaria que o livro, o quadro, o filme, a peça, a carta, a casa, o que estivesse a fazer, fosse do domínio público ainda assim, mesmo que este estivesse a meio da sua conclusão. Isto é, se virmos bem, existem dignidades diferentes mesmo depois de mortos. Uma é até aos 70 anos sobre esse fatídico acontecimento, a outra é depois. E depois significa basicamente que vale tudo, o que me leva concluir que alguém que tenha morrido há mais de 70 anos passa a não ter direito à sua imagem, à sua privacidade, à defesa do seu nome, da sua intimidade e sobretudo da sua vontade. Isto é, depois dos 70 anos de morrermos, a nossa vida vira um reality show e podem ir-nos às gavetas. Não tenham dúvidas, basta um familiar meter-se na droga ou no casino e é certinho que nos vende as nossas fotografias íntimas. Eu acho muita graça às cartas do Fernando Pessoa à Ophélia, mas pergunto: Será que ele permitiria a sua publicação? Eu acho educativo o vídeo do Taveira, mas questiono: pode o homem ter direito à sua não difusão? Pois bem, se um dia eu morrer – que não acredito - solicitarei uma cremação não do meu corpo – que podem muito bem doar à ciência - mas justamente de tudo aquilo que em vida não quis que pertencesse ao domínio público. Para isso, tenho desde agora dormido junto de todo este meu material, bem como com um recipiente de gasolina e uma caixa de fósforos, para que caso me aconteça alguma coisa de repente, eu saiba bem qual terá que ser o meu último gesto.


3 comments:

  1. Bola ao poste,Alvim!Ainda bem que avisas a tempo da ideia de cremar todo o teu material,ja viste se alguem te salta á gaveta depois de 70anos após a morte,o grande reality show que isso causaria??Abanarias cabeça e não só...e la se ia todo teu material,privacidade.Protege a tua intimidade...pelo menos enquanto estás vivinho!:)Ja agora,como regas com gasolina o teu espaço virtual?!?Deste ja não te safas :)
    Saudações bracarenses :)

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  2. Tem toda a razão, nunca tinha pensado muito nesta questão...
    Os prazos de 50, 60 e 70 anos de protecção dos objectos e documentos mais pessoais e íntimos muitas vezes prendem-se com o facto de não divulgar nada enquanto as pessoas que conviveram com o autor ou personalidade ainda estarem vivas. Não sei se estou a dizer asneira, mas estou a lembrar-me do caso da Anne Frank, que não tinha uma relação nada boa com a mãe, e de documentos do Holocausto que só agora começam a "sair cá para fora".

    Há aqui essa questão moral da invasão da vida pessoal de alguém. Deixamos de ter direito a privacidade depois de morrermos? Acho que este ponto é incontornável. A nossa vida íntima deve ser sempre respeitada, por mais tempo que passe depois da nossa morte.

    No entanto, na minha opinião há mais um ponto importante que deve ser considerado: eu acredito que quando morrer deixo de existir. Quero dizer que não acredito em alma eterna, ou seja, que depois de morrer eu não vou estar cá para sentir , avaliar, ou chatear-me com nada. A minha preocupação com uma eventual vasculhar póstumo na minha vida íntima só a tenho agora. Só precisaria que me garantissem em vida que a minha privacidade ia ser respeitada, para morrer descansada.
    Eu percebo o quão controversas são estas afirmações, mas eu depois de morta não estou mesmo cá para ver se a minha vontade foi traída ou não...
    Mesmo supondo que há mais qualquer coisa para além desta vida, quem me garante que eu me lembro dela, ou que me vou importar com o que vivi antes?

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  3. Por falar nisso. Acho que vou ali queimar os diários!

    obrigada
    beijo

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