Wednesday, November 17, 2010

Para que conste, calço o 42


Do mesmo modo que me lembro das minhas férias de verão em Vila Praia de Âncora, dos meus pais a dizerem-me que não era assim tão difícil calçar os sapatos sem serem ao contrário, da Dina Aguiar a apresentar o telejornal, do bigode do Torres Couto, das canções do Barata Moura, da televisão a preto e branco, de colocarmos papel celofane ou lá o que era para que aquilo desse a cores, dos discursos da general Ramalho Eanes a falar ao país como se tivesse uma batata na boca e uma cenoura espetadinha nesse sítio que estão a pensar, das paredes da rua a dizerem "A luta continua!", dos discos de vinil, do Júlio Isidro a meter 28 pessoas num mini, do Chalana a jogar no Benfica, eu a comer amoras em cima de uma amoreira e achar que era o rei do mundo, do primeiro beijo na escola a uma miúda que nunca mais vi, por acaso até vi mas não tenho agora tempo para explicar, de eu a chegar a casa todo encardido de jogar à bola e a minha mãe a dizer-me "Ai meu deus, como tu estás!", eu na banheira a destilar terra, areia, bichos vários e a ser raspado com uma pedra-pomes que é uma coisa nada boa de sentir na pele, de fugir de casa porque queria mudar de vida e ser independente aos 13, de fumar um cigarro sem ninguém ver, de descobrir que era um homem e poderia dar prazer a uma mulher sem que isso implicasse obrigatoriamente jogar à corda com ela, de pilhar uvas de um terreno proibido e sermos todos apanhados pelo dono e corremos todos muito, - juro que não fui eu, eu não tive culpa senhor Júlio, a ideia não foi minha! - também me lembro de levar uma sova à antiga por ter chegado a casa muito tarde e os meus pais pensarem que eu estava morto, e pela forma como levei, foi por muito pouco pouco que não o conseguiram de facto. E é disto que eu me lembro. Daí que olhando para trás, é isto que vos posso dizer, mas se olhar para baixo, fixamente nos pés, são as sapatilhas Sanjo que me lembro. Porque os meus pés não queriam outras, porque só elas me davam a comodidade e o conforto de um sofá, de um banho quente numa noite fria de inverno, porque só elas me faziam fazer golos iguais aos do Nené, camisola número 7, eu mesmo nas costas, ali ia Nandinho com as suas Sanjo, rotinhas, rotinhas, de tanto uso, marcando golos de todos os lados, gritando sempre como se tivesse acabado de nascer, beijando as suas Sanjo como as mães beijam os seus filhos quando os vêem pela primeira vez. E era isto, era isto que eu queria dizer das Sanjo, espero pois que alguém me dê um par delas por isto. Para os devidos efeitos, calço o 42.


1 comment:

  1. Oh Alvim tem lá calma.. ainda falta muito para o Natal...!!

    E não me parece que tenhas sido um bom menino...

    O que te vale é que o Pai Natal é do Benfica e pode fechar os olhos a isso...

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