E tu, quanto ganhas Manuela?

Mania esta das pessoas se tratarem por você quando podiam muito bem se tratar por tu. Se nos tratássemos todos por tu, seríamos todos mais novos e quase aposto que os mais velhos não se importariam. Eu gosto de tratar os mais velhos por tu, sem que isso signifique uma falsa intimidade ou um menor respeito. Pelo contrário, ao tratarmos por tu alguém, estamos a retirar-lhe anos de vida e esse alguém deve entender esse tratamento não como abusivo, mas como elogioso. Quando se trata alguém por tu, é como quando nos pedem o bilhete de identidade num qualquer casino, para se certificarem que temos mais de 18 anos. Aconteceu-me isto em Las Vegas e só posso concluir que o funcionário estava embriagado, mas aceitei essa imposição como um elogio e senti-me tão mais novo que perdi logo 100 dólares no Blackjack.

Por mim trataria todos por tu e as únicas pessoas que trato por você, por doce e estimulante ironia, são precisamente os meus amigos. Só se deve tratar por você alguém que se deve tratar definitivamente por tu. Os meus amigos e amigas sabem-no e existe um tom inquisidor nas nossas conversas “ Com que então, você estava no Lux às 6 da manhã e não disse nada, ahh?; Você saiu-me um bom estafermo, então diz que tem muito trabalho e coisa e tal, e aparece-me toda desençaimada ( sim é termo novo) no Pátio Bagatela? Você qualquer dia vai apresentar programas, é no canal história, entende?

E nós entendemos. E o exercício é tão viciante que não conseguimos tratar-nos de outro modo. Mas não há nada como tu. E eu. E nós. E a verdade, é que muitos anos atrás foi Paulo Futre a dar-nos uma tremenda lição de requintado visionismo quando respondendo à pergunta de Manuela moura Guedes que o questionava sobre quanto ganharia, parou o país, perguntando-lhe com perturbante inquietude: e tu, quanto ganhas Manuela?

Tivesse Futre dito “ E você, quanto ganha Manuela? E esta pergunta não se teria transformado imortal. Mas foi precisamente por ter usado a segunda pessoa do singular, que Futre se tornou no meu Maradona, sem precisar de meter golos com a mão. Futre, só por isto, merece uma homenagem. E devia tê-la.

Anos depois, foi o então líder da oposição António Guterres que revelava que tratava os 5 principais líderes europeus por tu, como se isso fosse uma grande coisa e não devesse ser exactamente assim. Mas é. Tratar por tu, ainda é entendido como um abuso, como excesso de confiança, como infringir as regras que terão sido ditadas por alguém que ainda usa gravata e colarinho apertado, mesmo nos dias de maior calor por pensar que isso lhe confere uma idoneidade superior aos outros. Tratar por você é estar convencido erradamente que esse uso, de fato e gravata e você, é uma pratica com maior respeito do que quem usa manga curta, jeans e tu. E eu. E nós.