Santiago é uma pequena aldeia que fica a não mais do que 30 quilómetros da Régua, em pleno Douro. As más-línguas dizem que fica a 50 ou 60, mas os que gostam – e eu gosto – dizem mentindo, que fica a 10 ou talvez 15.
Santiago tem cerca de 120 pessoas, mas como em cada uma existem tantas outras, acho que é justo dizer que tem a mesma massa populacional da cidade da Amadora, mas sem o estádio da Reboleira nem a fábrica onde se produzem os lendários rebuçadinhos do doutor Bayard. Os que não gostam de Santiago dizem que esta aldeia não terá mais de 10 ou 20 pessoas. Mas os que gostam, dizem que tem para cima de 400, mais de 500 pois então.
Santiago tem casas que quase falam, tem muitas macieiras, duas igrejas, uma surda-muda que é conhecida de toda a gente, o Tio Afonso, um campo de aviação parcialmente destruído pelos revolucionários de Abril, uma casa que é minha – desculpem dos meus pais – uma cozinha velha onde eu e os meus amigos costumamos fazer provas de vinhos quebrando a elementar regra que nos deveria inibir de o consumir e, à sua volta, um cheiro que tresanda a aldeia, que tresanda a campo, que tresanda a férias de verão que nunca mais acabam e que nos fazem sonhar com o perfume dos livros novos acabadinhos de comprar.
Os que não gostam de Santiago dizem que cada vez mais parece uma aldeia abandonada, que não tem gente, que não é fértil, à qual ainda não chegou o telefone. E eu, recuso-me a aceitar essa ideia provando-o com uma simples chamadinha para um qualquer número que começa com o indicativo 054. E a brincadeira é a de sempre: ligo para o único café que ainda existe e com voz colocada lá lhes vou dizendo : Daqui fala António Sala, é do Jogo da Mala da Rádio Renascença, o senhor sabe quando está na mala no dia de hoje? E nesse preciso instante, o senhor Suzifredo que já sabe que sou eu, finge não saber e vai-me dizendo: “São 500 euros minha nossa senhora!” , “ São 1000 euros talvez”, “ aposto que são 1500 euros, seu malandro! Então como é que isso vai? Então quando aparece cá para beber um copo?”
Os homens em Santiago ainda levantam o chapéu para dar os bons dias e as senhoras tratam-me por “ Nandinho” como se o tempo não apagasse os meus joelhos rasgados e os meu calções sujos de tanta terra. Houve um tempo que aqui o Nandinho era lavado com a lendária pedra- pomes para tirar aquilo que injustamente denominavam de “Surro”, que em bom português significa sujidade acumulada de forma massiva.
Nesse tempo, no tempo em que eu tinha surro por sair de manhã e chegar à noite num estado moribundo, lembro-me bem que havia muitas zangas por causa da água. Dizia-se que tinha sido aquele que a havia desviado para regar o seu campo, falava-se de outro alguém que nem coragem tinha de o assumir e o povo reunia-se na aldeia falando muito alto para que se lhes ouvisse a razão. Os mesmos que ao tocar o sino em sinal de incêndio, saíam de casa decididos a apagá-lo, fosse de quem fosse, na certeza de que hoje poderia ser aquele mas amanhã poderia ser ele. Galgando os montes enquanto os bombeiros não chegavam, ouvindo as mulheres a dizer “ai valha-me Deus, ai Deus nos ajude” os homens de enxada em punho, abrindo caminho com a foice e certificando-se que luz chegava para todos os que iam vaticinando “aquilo é no terreno do senhor Joaquim! O fogo está para os lados da eira” e chegados lá, apagávamos o fogo com a vontade que trazíamos, transformando a terra em água, os ramos em água, os panos em água, as mantas em água, até que os bombeiros, por fim a trouxessem. E assim, eu gosto de Santiago. Para mim, fica a pouco mais de 5 quilómetros da régua.
P.S - Este Domingo, na Sic Radical, às 23 horas, os convidados do boa noite alvim são Bernardo Sassetti e Marta Rebelo. Um virtuoso pianista que veio munido de um piano muito singular e uma promissora deputada que gosta de ler o jornal " A bola".
Ora, poie então, convida mas é aqui a malta!
ReplyDeleteAssim confirmamos! ;)
Caramba...já me estava a imaginar a passar um belo Verão... :D
Transportaste-me de novo para a minha infância.
ReplyDeleteCresci numa aldeia a 7 Km de Lamego que apesar de ter telefone e uns 500 habitantes, faz-me respirar, sorrir e sentir a livre.
Apesar de a vida me ter trazido até à capital, sinto um brilhozinho especial cada vez que fecho os olhos e recordo...
Como sempre, escreves brilhantemente...
Filipa
E não é que do nada ficou-me uma vontade imensa de conhecer Santiago?! Provavelmente, se um dia isso acontecer, será qualquer coisa de muito diferente daquilo que acabei de ler. Os sítios que são nossos mas a partir de dentro nunca são iguais vistos de fora por outra gente. Por isso é que "são nossos", teem os nossos olhos e os nossos sentimentos e ficam sempre mais perto... muito mais perto - tipo 30 ou 60 quilómetros ;)
ReplyDeleteCapitão...que post...dasseeee...és o maior!!!
ReplyDeleteAbraço
Gostas de Santiago, como eu gosto de "Santana do Mato"... e digo que fica a 5 km de Coruche, quando (na verdade), os que não gostam dizem que fica a 15 Km :)
ReplyDelete... Mas seguraremte fica um "nadinha" mais perto de Lisboa :)
É o lugar onde és feliz aos bocadinhos!
ReplyDeleteUm beijo, Alvim!
... estamos a falar de Santiago de Compostela? Ou do Son Tiago, 30º filho do 1º rei de portugal, que derrotou o exercito do rei Arthur, na celebre batalha naval da Berlenga? ... ou terá sido dos Farilhões...? Malvada história que não para de suceder, ainda se admira o sô Anibal, por a maralha não salembrar do quéquefoi o 25 de Janeiro... ou terá sido d'Abril!?
ReplyDeleteEm minha casa continua a haver as famosas maçãs vindas de Santiago que o teu pai me oferece.
ReplyDeleteNão entendo porque nunca me convidas pra essas provas de vinho
Já me estava a imaginar mais tu num delicioso fim de semana por essas terras.....assim tu quisesses Alvim.....tenho a certeza que nunca mais me largarias...beijo doce para o mais doce que conheço, tu!
ReplyDeleteGostei mesmo muito deste texto :)
ReplyDeleteBeijinhos*
Esqueceste-te de referir o magnífico e imponente forno comunitário e o tanque repleto de girinos, onde muitos mergulhos foram dados... :) PL
ReplyDeleteBRILHANTE.. Como sempre..
ReplyDeleteOu não fosses tu, o Fernando Alvim!
Um beijo
orgulho Tuga. Abraço
ReplyDeleteA 5km da Régua???? Naaaa, uns 2 ou 3! coisa pouca ;)
ReplyDeleteA 5 km da Régua? Naaa... dois, tres quilometros no máximo! Aquilo é só atravessar o rio! Coisa pouca!
ReplyDeleteEscreves TÃO bem Alvim!!
ReplyDeletePor falar na Régua... quando voltas ao DouroIn para beber um copo com a malta Alvim?
ReplyDeleteAbraço de todos nós
Já há uns tempos para cá que descobri que as pessoas mentem no tempo que demoram a fazer as viagens. Dizem coisas tipo “Porto-Lisboa são 2 horas” eu demoro sempre 3, “Já fiz Porto-Chaves em 45 minutos” quando, no mínimo, são precisos 90 minutos, este fim-de-semana ouvi que “Braga é quase litoral, fica a 15 minutos da praia e a 40 minutos de Vigo”, ora bem, eu que moro em Gaia demoro 15 minutos a chegar ao mar…
ReplyDeleteNunca percebi muito bem porque mentem as pessoas a esse respeito. Pensei que podia ser para se considerarem uns craques da condução, para ficarmos a pensar “Aquele gajo conduz mesmo bem, é sempre muito rápido”, mas depois a minha tese deixou de fazer sentido porque quando eu confrontava as pessoas todos respondiam “andando sempre dentro dos limites 120-130 Km/h”.
Foi então que hoje, ao ler o teu blog percebi a razão. Quando gostamos de um local ele fica sempre mais perto, para nós. Como se medíssemos a distância ao nosso coração.
Garfield
indicativo 054? não será 254?!!! :)
ReplyDeleteViva o Douro, a terra do bom vinho para beber com os amigos e desfrutar de uma paisagem magnífica que só ali existe!
Gosto dos posts! Parabéns!
Daniela Valente
Lindo texto!!! eu tb amo a minha terra!!! é lá que me sinto sempre mais segura e amada!!!
ReplyDeletevou t informar melhor sr. Alvim Santiago tem 180 habitantes e se nao me engano mto fica a uns 3km de armamar e a uns 18 de espanha(regua. pensei é k o kafe ja estivesse fechado!!! no proximo rali das tascas vou ter k passaer por la tb!! eh eh
ReplyDeleteO Texto até tem piada , mas foi por engano ou omissão que não disse que SANTIAGO pertence ao concelho de ARMAMAR e fica a 3/4 Km dos mesmo ?
ReplyDeleteE que saudades eu tenho de Santiago, da casinha da avó, no lugar de Passos.. Sempre que posso lá vou eu matar as saudades, daquela gente humilde, com o coração do tamanho do mundo...
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