Monday, January 20, 2014

TANTO PORTUGAL


A verdade é esta, 500 anos depois dos Descobrimentos, Portugal voltou a descobrir. Mas não descobriu do mesmo modo, não lhe interessou explorar novos caminhos marítimos, não quis descobrir novas culturas, ouvir novos idiomas, traficar especiarias; Portugal não quis nada disso e, 500 anos depois, descobriu o país que lhe faltava ter conquistado e explorado até então: o nosso. Portugal assemelha-se a um casal que viveu com intensidade o nascimento de cada um dos seus filhos, o seu crescimento, a sua entrada na vida adulta, uma correria em casa que deus nos acuda e à inevitável saída de cada um deles. E depois disso, o casal, o país, os dois, vendo-se sem eles, vendo a casa mais sossegada e vazia e sem as costumeiras tropelias de perguntas, viu nisso uma segunda oportunidade para o relacionamento, como se fosse um segundo amor. Há quem diga que nada se compara ao primeiro e eu não os censuro, mas quase sempre o segundo amor é mais consistente, é menos frívolo, é mais certo. Daí conhecermos tantos casos de pessoas que namoraram uma vida inteira – 10, 15 anos que sejam – e depois disso acabam repentinamente o seu relacionamento e, um ano depois, casam-se com outro. Ou com outra. Portugal está a dar a si próprio uma segunda oportunidade, uma segunda chance, e a descobrir-se a cada dia, 500 anos depois. Não temos Vasco da Gama mas temos Cristiano Ronaldo, não temos Pedro Álvares Cabral mas temos Paula Rego, não temos Diogo Cão mas temos Lobo Antunes, não temos Gil Eanes mas temos António Damásio, não temos Fernão de Magalhães mas temos Joana de Vasconcelos, não temos Tomás Taveira mas temos Erica Fontes. Portugal só agora verdadeiramente está a gostar de si, só agora se olha ao espelho para se pôr bonito e sair à noite. Portugal é um país mais pobre, sim, mas nunca como agora teve tanto cuidado a cuidar de si, a arranjar o cabelo, e tanta vaidade e orgulho no pouco que tem. Portugal não é pouco, é muito. Portugal já não é só um país, são vários. Portugal é tanto. 

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i
[Fotografia: João César Monteiro por Patrick Messina]

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