Friday, December 07, 2012

Blogue Memória II


Continuamos a saga porque, como diz a canção, recordar é viver. Hoje trago-vos uma entrada que publiquei no blogue no dia 9 de Janeiro de 2008. Um jornal tinha-me pedido uma lista de músicas favoritas.  Na altura escolhi as sete que se seguem.

6 músicas ou talvez 7

Há cerca de 4 meses atrás, o jornal Correio da Manhã pedia-me que elaborasse uma lista das minhas 6 músicas favoritas de sempre. É óbvio que não serão as minhas 6 músicas favoritas de sempre, mas andaram lá muito perto. Era bom, saber também as vossas. Vejam com é difícil escolher 6.

1 - Atirei o pau ao gato – Vários
É uma canção da minha infância que cantei de forma inocente sem perceber o pernicioso sentido da sua letra. Ainda hoje me penitencio e vergasto severamente por isso. Reparem só: Atirei o pau ao gato-to-to (já de si mau) mas o gato-to-to não morreu-eu-eu (parece que se lamenta este facto) Dona Chica-ca admirou-se se se, com o berro, com o berro, que o gato deu! (Todos: Miaaauuu!) Mas porque raio se admirou tanto Dona Chica com o berro que deu o gato, se o animal acaba de levar com um valente pau nos costados? Vê-se bem que nesta altura a Sociedade Protectora dos Animais estava numa fase embrionária e o bloco de esquerda ainda no papel. Não fosse isso e aposto que já se estaria a iniciar uma qualquer marcha de protesto. Outros tempos. Agora todos: Miaauuu!

2 - Marante – Garçon
Para mim, sempre existiram dois tipos de pessoas: As que ouviram o tema Garçon de Marante e as outras. O Marantismo (assim se chama o movimento onde estão integrados os seguidores de Marante, entre os quais eu me incluo) é isto. A franqueza e a comovente forma como o cantor confessa o seu estado de alma é absolutamente despojadora. Atente-se bem ao refrão:

Saiba que o meu grande amor hoje vai-se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços o meu coração
E para matar a tristeza
Só mesa de bar
Quero tomar todas
Vou-me embriagar

E como se isto não bastasse, eis que nos brinda com esta expressão bem portuguesa:

Se eu pegar no sono
me deite no chão

Com franqueza, só alguém cuja sensibilidade é semelhante a uma chapa de Zinco a ferver é que não se arrepia com estas palavras, adivinhando Marante a consumir todas as bebidas do bar, misturando malibu com absinto, whisky com sumo de ananás, vodka com licor beirão e aí sim, invertendo a ordem da letra da canção, sob o olhar atento do garçon, caindo no chão e só depois pegando no sono.

3 - Astor Piazolla – Adeus Nonino
Ouço Piazolla por graçola, foi numa altura em que andava na escola e comprei a minha primeira viola. Passava na televisão um anúncio irritante que repetia até à exaustão: Vais para a escola, leva a cola!” e eu, que na altura não queria perder pão e bola, ponha-me tardes inteiras a ouvir Piazolla. Depois, bem... depois pegava na sacola, ajeitava a camisola e imaginava-me a passear abraçado a uma guapíssima espanhola. E eu dizia-lhe isto e aquilo num tom absolutamente gabarola e não raras vezes ouvi dizer: “Este gajo pensa que lhe saiu o totobola”. E se permitem concluir a resposta num clima de festarola, peço a todos que gritem : “Viva o Astor Piazolla!”

4 - Air - All I need
Este tema vem incluído no álbum “Moon Safari” dos Air e faz com que pense na vida sempre que o ouço. É uma questão de segundos, aos primeiros acordes de “All I need” sinto-me a viajar num tapete persa, num final de tarde com vento morno, os supermercados fechados, pouca gente na rua, mulheres de avental olhando-me de dedo em riste e confundindo-me com um qualquer super herói enquanto já canto:

All I need is a little sign,
To get behind this sun and cast this weight of mine,
All I need is the place to find,
And there I'll celebrate.

E daqui de cima de onde agora vos escrevo, o mundo fica mais claro e canção mais límpida como se teimosamente não quisesse acabar deste modo:

All in all there's something to give,
All in all there's something to do,
All in all there's something to live,
With you ...

Há canções que nunca deveriam acabar e esta é uma delas.

5 - Solomon Burke – Don’t give up on me
Nunca gostei de desistências, quando era mais petiz, lembro-me bem que nas aulas de educação física desde cedo ganhei uma especial preferência pela maratona porque se pensa mais vezes em desistir do que em qualquer outra distância e eu nunca por nunca desisti, estendo os braços á chegada mesmo sabendo que nenhuma fita me esperava para que a cortasse com o meu peito largo. Ao longo da corrida, uma voz me perseguia dizendo: Don’t give up on me, don’t give up on me! E agora, com a distância dos anos e não de metros, percebo bem que pior do que desistir de alguém, é desistirmos de nós próprios. Era eu que cantava para mim próprio, era a minha voz, talvez o meu corpo, que sempre me implorou com sôfrega rouquidão para que eu não desistisse.

6 e 7 - Jeff Buckley – Last Goodbye ou Carlos do Carmo – Estrela da Tarde
Bem sei que são 6 os temas que teria que escolher, mas chegado aqui, confronto-me com este impasse. Se por um lado, Buckley me surge como referência obrigatória, seria ingrato que me esquecesse do poema de Ary dos Santos cantado por Carlos do Carmo. A pergunta impõe-se: Grace ou Estrela da tarde. E se me permitem a analogia, é o mesmo que me perguntarem se prefiro o golo do Maradona contra a Inglaterra no México 86 ou o golo do Madjer na final da taça dos campeões contra o Bayern de Munique. Não sei, não faço ideia, há coisas que não se podem escolher e esta é uma delas. Se por um lado a voz de Buckley surge em Last Goodbye com a temperatura de um puro malte não é menos verdade que as palavras de Ary dos Santos livram-se delas próprias, como se soltassem, como se tivessem saído da casa dos pais onde terão vivido até agora e se ajeitassem com graciosa independência num andar em telheiras. Talvez palavras vizinhas das de Buckley, pedindo salsa e cominhos umas às outras, batendo à porta, emprestando-se nas duas canções. Na de Buckley, diz-se:

Did you say, "No, this can't happen to me"?
And did you rush to the phone to call?
Was there a voice unkind in the back of your mind saying,
"Maybe, you didn't know him at all,
you didn't know him at all,
oh, you didn't know"?

E em Estrela da tarde:

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

E mais não digo. Por hoje, não escolho mais.

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