Monday, April 23, 2012

Um bandido dos bons


Ao contrário do que se possa pensar, ser bandido nos dias de hoje não é assim tão fácil. As pessoas, quando vêem alguém ter sucesso, têm por hábito relativizar quem o obteve, e com a gatunagem também é assim. Mas não deveria ser, porque ser bandido dá imenso trabalho e, bem feitas as contas ao dinheiro e ao tempo que se gasta, não me parece que compense assim tanto. Para começar, a imagem. Um bandido que se quer grande tem de ter um cuidado metrossexual para atingir essa condição. Convenhamos: um bandido não pode parecer um bandido, tem apenas de o ser. E é com base nesta premissa que pode desde logo diferenciar-se de todos os outros e tornar-se maior. E isso não está ao alcance de muitos. Porque senão era muito fácil e toda a gente era. Sejamos claros, o melhor bandido é aquele que nunca nos passaria pela cabeça que cometeria tamanha atrocidade. E a prova disso mesmo é vermos um telejornal. O crime é relatado, a população está em choque e acordou naquele dia sem que ninguém consiga compreender o que terá acontecido. E o que fazer? Vamos então entrevistar uns populares, decide a repórter. E o que pensa a vizinhança? Invariavelmente: que era uma jóia de moço, uma ternura de rapaz, que nunca viram nada, que era amigo do seu amigo, uma pessoa calmíssima, que ajudava os mais necessitados, que ia à missa das 5 e tudo, que não acham possível que tenha sido ele, que o Jojó não é homem para uma coisa daquelas. E pergunto: onde se vê se as pessoas estão ou não a falar verdade? Onde? Pois bem, filmando as mãos. O polígrafo televisivo é esse. A televisão passa a vida a filmar o que dizem as pessoas e, imediatamente, filma-lhes as mãos para se perceber se estão a falar verdade. E os olhos também, mas estes para se saber e determinar com precisão o grau emocional do indivíduo. Isto é, alguém que trema das mãos sem que tenha obrigatoriamente de sofrer de parkinson vai passar sempre por aldrabão na televisão. Veja- -se um convidado da Judite de Sousa e perceba-se a dinâmica da realização. O realizador está na régie, o bandido senta-se para se defender das alegadas notícias (obviamente falsas) que fazem dele um criminoso que, obviamente, não é. O realizador dá um grande plano de ambos e depois dos olhos de Judite para perceber se esta está suficientemente intímidatória. Judite pergunta em tom inquisidor É verdade que você é o autor deste crime? (câmara 1 - plano geral - passa para a 2 e filma os olhos do suposto criminoso) E este responde: É claro que não (câmara 3 filma as mãos), eu nunca seria capaz de uma coisa destas (câmara 2 filma os olhos), toda a minha família sabe que eu sempre fui uma pessoa de bem (câmara 3) e tudo isto não passa de uma vil campanha para destruir o meu bom nome pessoal (câmara 2) e agora a 1 para ver como está o estúdio. O que a televisão ainda não percebeu é que Um bandido dos bons não treme das mãos nem tem olhos denunciadores. Um bandido dos bons não dá entrevistas. Quando muito, rouba-as.  

Fernando Alvim
Publicado originalmente no jornal i

1 comment:

  1. Parabéns pelo texto. Muito bom! E acho que tu és um bandido, não dos bons, mas daqueles mesmo fora de série!

    homem sem blogue
    homemsemblogue.blogspot.pt

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