Wednesday, January 19, 2011

Abcesso Emocional


O grande problema do amor são os acessos. E também os transportes. E ainda um outro que eu agora não me lembro. O amor pode ter outros problemas, é certo, mas para circular tem que ter um bom pavimento. De preferência, de alcatrão. A calçada portuguesa por exemplo é muito bonita, mas não é muito boa para o amor, sobretudo quando se tem saltos altos. Não se pode amar uma mulher portuguesa numa calçada destas, sob pena de passarmos a vida no chão, aos trambolhões com ela. Não é que não possa ser divertido – é pois – mas tenho uma arreliadora osteodistrofia que já não me permite estes devaneios.

O amor precisa de ser bem tratado e só uma rede de transportes competentes cuidará dele. E por isso mesmo, a pessoa mais importante para o amor em Portugal é António Mendonça, o ministro dos Obras Públicas, Transportes e Comunicações que tanto pode fazer por ele. Mas tanto. Para começar, ao não permitir que mais nenhuma linha acabe. Desde a linha do Tua a uma linha do Maradona. Desde o ferry boat para Tróia ao comboio da morte na feira popular. Porque o fim de cada uma destas coisas, acaba com muitos amores que se vão definhando a partir daí. Primeiro de 15 em 15 dias, depois de mês a mês que é cada vez mais difícil ir ai, até se verem praticamente de dois em dois anos, já cada um para o seu lado, casados com outros com melhores transportes. E obviamente melhores acessos.

O amor tem um abcesso que é este. É um abcesso emocional. E o único anti-inflamatório que eu conheço, é abrir caminho. De preferência, o mais rápido possível, tal qual um TGV. Quando me enamoro por alguém, a primeira coisa que faço é ir ver os horários de transporte e as auto-estradas de acesso. Já tive um amor que foi salvo pela A24, já tive um outro que foi destruído pela Renex. A CP ia-me casando, a TAP separou-me de vez. Porque o amor é 6 horas na Rede Expressos desde Valença do Minho, o amor é 3 horas na A1 para o Porto, 8 horas na TAP para Nova Iorque, 6 na Renex para Bragança, 4 horas na segunda circular para o emprego. O amor é este tempo que acabo de escrever.


Fotografia de Dirk Mevis

3 comments:

  1. o amor é fogo, num copo de shot a arder...por exemplo, digo eu.

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  2. E há amores que são como andar nas ruas do Bairro Alto de saltos altos. Ficamos presas a cada passo que damos. Os caminhos não melhoram e arranjar os saltos nestes novos sapateiros dos C. Comerciais sai caro. Logo, só há uma solução. Descalçar!
    Bj

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  3. Já te ia dar na cabeça, após ler este teu texto hoje no jornal "Metro", mas já percebi que pelos vistos foi gralha da impressão (abscesso).

    Mas falando de coisas mais importantes, belo texto. Concordo muito contigo. A entrega falta e contra mim falo...

    Continuação de boa semana

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