É mentira essa coisa de que somos iguais desde que nascemos. Eu recuso esta ideia. Nós somos a vida que levamos e como se isso fosse uma qualquer operação cirúrgica, vamo-nos transformando e ficando diferentes. Se o tempo não passasse nem andasse em frente, se não crescêssemos, nem falássemos, nem saíssemos de casa, talvez ficássemos mais iguais ao que éramos no primeiro dia. Mas a partir do momento, em que os dias passam e se sucedem, alteramo-nos. Para o bem. E para o mal.
Não sei se já terei dito isto, se calhar já disse, mas vejo as pessoas, todas as pessoas, como um qualquer computador, que à medida que vai sendo utilizado, vai alojando alguns vírus. Os vírus são as outras pessoas que nos passam, o que nos acontece na sequência disso, o que nos dizem, as injustiças, as blasfémias, também a glória e as festas, e sobretudo as horas que não devíamos ter vivido e que nos marcaram porque estávamos ali. Só isso. As pessoas deviam vir com antivírus, podia ser o Norton que dizem ser o mais eficaz, podia ser outro qualquer se quiserem assim, desde que com ele nada nos afectasse, processasse rápido mesmo que andasse por caminhos considerados perigosos. Por isso, acho que a vida devia ser igual a um vigilante e impiedoso sistema de protecção de um computador, ao mínimo passo em campo estranho, uma pergunta nos fariam: Tem a certeza que quer ir por aí? Este caminho pode ter um vírus perigoso.
Mas nem sempre temos a certeza que não queremos ir por ali. E ao arriscarmos, ao experimentarmos caminhos e pessoas diferentes, no fundo ao vivermos, vamos por vezes sendo infectados por isso. Daí que há quem seja uma virose em pessoa. Olho para elas e digo “Aquela pessoa está cheia de vírus!” e ao dizer isto, vou correndo como posso.
Por isso recuso a ideia de que somos sempre iguais, o homem que hoje vos escreve, já não será o mesmo quando o lerem. Há pessoas que são umas de manhã e outras ao final da tarde. Dizia-se por exemplo que o antigo presidente do Benfica Manuel Vilarinho era uma outra pessoa depois do almoço. E sabem que mais? Eu acredito. Do mesmo modo, que afirmam que o Deco terá passado por este mesmo clube sem que este tivesse reconhecido o seu talento. Isto é mentira. Porque era um outro Deco que por lá passou e por isso não foi visto. Ou acham que o Figo do Pastilhas era o mesmo do Barcelona? Ou que a Alexandra Lencastre da Rua Sésamo era a mesma das novelas? Ou que o Monstro das Bolachas, enfim. Daqui que ninguém seja igual para sempre. São os dias e os vírus em cada um deles, que nos tornam diferentes.
Fotografia by Jacob Klein
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