E assim foi, vê-se alguém e dizemos para nós “É aquela, é aquela!” e no mesmo instante em que percebemos que é aquela, é aquela, a figura dela esvanece-se qual vidro embaciado em manhã de Inverno enganoso.
Tu és isso, vidro embaciado sim, outrora vapor, hoje manhã clara, tu és essa manhã em que fumamos à janela na esperança de te percebermos por entre aquela varanda, fixamente aquele estrado de praia, aquela luz que teima em ficar acesa quando todas as outras já se apagaram, tu és essa sim, a música que ouvimos no carro quando caminhamos para casa e nos cruzamos com outros condutores que caminham agora para os mesmos empregos. Liga os máximos para veres melhor, aumenta o volume dessa música para que não adormeças e escuta o que o dia te diz na claridade que te entra. Fecha o vidro, apaga o cigarro, concentra-te nessa estrada que te levará até casa, ouve-me a entrar por esses estores que repousam enganados, abraça-te aos cobertores como se fosse a mim e liga a televisão para que adormeças pensando que sou eu que te dou notícias frescas.
Esfrega os olhos, ajeita-te na cama, olha para esse retrato que insiste em fazer de conta que sou eu, lembra-te das pegadas húmidas que terei deixado naquela vez que entrei pelo quarto vindo do banho, remexendo as gavetas na esperança de que tu não acordes e denunciasses a minha presença. Dorme, não acordes ainda, deixa cá ver se fecho a porta de leve para só acordar os vizinhos. Bom dia como está?! - direi ao primeiro, Está um frio que não se aguenta - enquanto desço! - é mais um dia de trabalho! Que o que importa é saúde e até mais logo. Fecho a porta da entrada agora com força e sei que estarás por detrás da janela a adivinhares os meus passos. Ora o sinal do alarme - tic, tic – ora a porta a fechar – catapum – ora o motor que finge agora fazer-se morto apenas e só para o prazer da reanimação. A chave na ignição como se fosse uma bomba respiratória, tolhendo a boca do motor – brum brum – tentando outra vez – vrum vrum –nem um sinal de vida, mas já sem pronúncia do norte – vrum vrum e vamos a isto.
É de manhã, o trânsito é o que se sabe, parado nos semáforos apitam-me – smick smick! – no preciso instante em que muda a cor. Olho para o retrovisor e vejo-te a ti no meio de um autocarro cheio de pessoas exactamente iguais, iguais a ti. O motorista - olá como vai? – a senhora que se pendura a um dos ferros agarrando com muita força a mala que transporta - sou eu , sou eu dizes! – aquele miúdo , aquela mulher, aquele senhor, ticket ticket! – dizes brincando aos revisores – e de repente, uma paragem onde todos saem humilhando as outras saídas que esperavam ainda recebê-los.
Eis-me no carro a esta hora, a mesma música que ouviras no caminho para casa, o mesmo vidro embaciado, a mesma seiva que escorre agora por este vidro plano, o mesmo cigarro que apagaste, as mesmas notícias com as quais adormeceras. Eis-me – não finjas! a mesma foto que sabes não ser eu, o mesmo vulto que te trespassa, o mesmo jeito que te afaga e que agora caminha pelo mesma estrada que há pouco percorreras.
Eis-me de regresso a casa, metendo as chaves à porta – bom dia como vai, é a vida , é a vida, tem que ser ser! Tem que ser! – fazendo tudo para que não acordes, entrando devagarinho, devagarinho – shiuu! - não fazendo barulho algum - mesmo sabendo que no quarto onde te imagino, nessa cama que me aguarda, tu nunca estiveste, tal qual o vidro embaciado que agora é manhã clara.
Tu és isso, vidro embaciado sim, outrora vapor, hoje manhã clara, tu és essa manhã em que fumamos à janela na esperança de te percebermos por entre aquela varanda, fixamente aquele estrado de praia, aquela luz que teima em ficar acesa quando todas as outras já se apagaram, tu és essa sim, a música que ouvimos no carro quando caminhamos para casa e nos cruzamos com outros condutores que caminham agora para os mesmos empregos. Liga os máximos para veres melhor, aumenta o volume dessa música para que não adormeças e escuta o que o dia te diz na claridade que te entra. Fecha o vidro, apaga o cigarro, concentra-te nessa estrada que te levará até casa, ouve-me a entrar por esses estores que repousam enganados, abraça-te aos cobertores como se fosse a mim e liga a televisão para que adormeças pensando que sou eu que te dou notícias frescas.
Esfrega os olhos, ajeita-te na cama, olha para esse retrato que insiste em fazer de conta que sou eu, lembra-te das pegadas húmidas que terei deixado naquela vez que entrei pelo quarto vindo do banho, remexendo as gavetas na esperança de que tu não acordes e denunciasses a minha presença. Dorme, não acordes ainda, deixa cá ver se fecho a porta de leve para só acordar os vizinhos. Bom dia como está?! - direi ao primeiro, Está um frio que não se aguenta - enquanto desço! - é mais um dia de trabalho! Que o que importa é saúde e até mais logo. Fecho a porta da entrada agora com força e sei que estarás por detrás da janela a adivinhares os meus passos. Ora o sinal do alarme - tic, tic – ora a porta a fechar – catapum – ora o motor que finge agora fazer-se morto apenas e só para o prazer da reanimação. A chave na ignição como se fosse uma bomba respiratória, tolhendo a boca do motor – brum brum – tentando outra vez – vrum vrum –nem um sinal de vida, mas já sem pronúncia do norte – vrum vrum e vamos a isto.
É de manhã, o trânsito é o que se sabe, parado nos semáforos apitam-me – smick smick! – no preciso instante em que muda a cor. Olho para o retrovisor e vejo-te a ti no meio de um autocarro cheio de pessoas exactamente iguais, iguais a ti. O motorista - olá como vai? – a senhora que se pendura a um dos ferros agarrando com muita força a mala que transporta - sou eu , sou eu dizes! – aquele miúdo , aquela mulher, aquele senhor, ticket ticket! – dizes brincando aos revisores – e de repente, uma paragem onde todos saem humilhando as outras saídas que esperavam ainda recebê-los.
Eis-me no carro a esta hora, a mesma música que ouviras no caminho para casa, o mesmo vidro embaciado, a mesma seiva que escorre agora por este vidro plano, o mesmo cigarro que apagaste, as mesmas notícias com as quais adormeceras. Eis-me – não finjas! a mesma foto que sabes não ser eu, o mesmo vulto que te trespassa, o mesmo jeito que te afaga e que agora caminha pelo mesma estrada que há pouco percorreras.
Eis-me de regresso a casa, metendo as chaves à porta – bom dia como vai, é a vida , é a vida, tem que ser ser! Tem que ser! – fazendo tudo para que não acordes, entrando devagarinho, devagarinho – shiuu! - não fazendo barulho algum - mesmo sabendo que no quarto onde te imagino, nessa cama que me aguarda, tu nunca estiveste, tal qual o vidro embaciado que agora é manhã clara.
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ReplyDeleteApenas uma palavra: Lindo!
ReplyDeleteNunca pares de escrever!
Beijo
realidade vs imaginario, subtil a tua escrita pois divagamos se os teus textos serão passagens realistas ou pensamentos controversos, através deles revelas o que muitos julgam não existir, o ser humano que sente e pensa.Pena o teu tempo ser escasso, era uma boa a monografia "Subconsciente- Alvim" ao qual teria todo o prazer em cataloga-lo, acredita que não seria a dita literatura de casa de banho mas sim uma obra de referencia:)
ReplyDelete*** saudações gondomarenses
Depois de te ler...fiquei sem saber muito bem o que dizer...
ReplyDeleteO que me ocorre e que me apetece dizer-te é que agora já é mais fácil imaginar-te!
À medida que ia lendo o texto, ia-me lembrando e vendo-te em cada divisão! (Confesso que às tantas já estava confusa e...ora te 'via' num lado, ora no outro!!!)
Também pudera, qual dos dois cantinhos o melhor!!! Bom gosto é coisa que não te falta!
Um Beijo*
Oh Alvim,
ReplyDeletetu realmente es um poeta. Nunca deixes de ser assim. Lindo!
Beijos
oh Alvim...
ReplyDeleteoh Alvim...
Alvim!? mata-te
Porque raio tinhas que escrever tão bem Alvim? :) :) Mais um post…mais uma carta única….
ReplyDeleteTens uma maneira de escrever muito peculiar, muito especial…É sempre agradável, fascinante ler o que escreves…
Nesta carta, em particular, a forma como descreves todos os cenários, todos pormenores… as próprias palavras que utilizas…as próprias vírgulas, os pontos (tudo tão bem assinalado) … tornam tudo muito real, muito verdadeiro…Cada frase sustenta, adorna a outra, sendo por isso quase impossível interromper a leitura a meio…
Consigo imaginar-te em todos os locais que descreveste...
Personalizas os teus sentimentos em atitudes, em acontecimentos, em objectos, em coisas tão estranhas…É muito, muito giro :) ...como sempre, não é?!:)
Um Beijo
Honestamente, acho que apesar da escrita ser muito boa, a verdade é que está um nada côr-de-rosa...
ReplyDelete(lol)
[[ ]]
Só não percebi se foi sonho ou ilusão...
ReplyDeleteNão penses tanto!:)
Não sei se conheces o livro "Nunca me esquecerei de ti" de Tony Parsons, tem um pouco a ver com o teu texto, de alguem que perdeu outra pessoa (neste caso para sempre, visto que ela morreu num acidente) e depois quer encontra-la em todo o lado onde vai, ou nas antigas memórias que tem dela, ou nos amigos que têm em comum.
ReplyDeleteEssa realidade que alguém idealiza, um imaginário misturado com o dia-a-dia, pode ser bom ou prejudicial, muito mais falando de um "amor". Algo que não é fácil, algo que se constrói, mas quando se imagina, esse amor pode ir para além do real, muito para além, e depois? Voltamos ao que era o nosso canto, as nossas memórias reais, ao nosso dia-a-dia, e tudo o que imaginamos não passa disso, imaginação, sonho, um desejo de..., talvez sirva para lutar por isso, talvez não.
Quem sabe...
Muito bom texto, Alvim, sempre surpreendente.
De facto fascinante a forma como escreves, como expressas os teus sentimentos.
ReplyDeleteÉ quando por aqui passo e leio estes posts que consigo perceber o rapaz que és.
Nunca deixes de ser o que és Alvim.O "safado" da televisão e da rádio, e o romântico da escrita...
Bjs***de mim
:)
tens cá uma lábia para enganar as miudas!! hihihi
ReplyDeleteBjus
Lil
irra que o rapaz é talentoso!
ReplyDeleteParabens nandinho, ta brilhante! ;)
Andas inspirado rapaz!
ReplyDeleteAbraço
oh Alvim atira-te a ela!!!
ReplyDeleteolha que o tempo pode esgotar...
muito poetico...gostei mesmo
um beijinho para vossa exma.
Alvim, grande maluco, gosto muito daquilo que escreves. Tenho de arranjar o teu livro, "NO DIA EM QUE FUGIMOS TU NÃO ESTAVAS EM CASA"... Não me arranjas um autografado? gonsalo.matos@gmail.com :)
ReplyDeletePorta-te bem, continua a ser como és, não mudes! És o maior, capitão!!
Já vi que tens material mais que suficiente para lançar um novo livro!!
ReplyDeleteAkele abraço
SEMGAS.BLOGSPOT.COM
Beijos.
ReplyDeletesimplesmente Lindo!
ReplyDeleteO amor, o amor.
ReplyDeleteestá lindo.
Espero bem que continue a escrever textos assim!
ReplyDeletePoeta homem, um poeta!
ReplyDeleteEstava a ler esta passagem e de repente vi-me também a mim no papel desse viajante..de alguém que encontrou "aquela" e, sem nunca a ter tido verdadeiramente, experimenta uma sensação de perda angustiante e a revê em todos os momentos do seu dia. Grande texto Alvim.
ReplyDeleteRicardo Ferreira
ricardao@portugalmail.pt
Nunca pensei que escrevesses sobre estas "coisas" dos sentimentos, das relações, das pessoas! Foi uma surpresa, agradável! Como sempre te vi/ouvi na televisão ou no rádio tinha-te como um gozão autêntico, incapaz de falar sobre coisas mais profundas e até mais lamechas da mente e do coração! Sei que não faz grande diferença, mas subiste para a prateleira de cima no meu wardrobe ranking! Keep walking!!
ReplyDeleteA outra face de Alvim..
ReplyDelete... Adorei. Mesmo. Perfeito, realista, urbano, frágil, bonito.
ReplyDeleteEstamos, encaixamos, cabemos todos neste texto!
=) Keep writing!
brutal!!..não há muito mais a dizer..e um gajo fica assim a imaginar...e é bom..e pronto.
ReplyDeletekeep the very good working
chemical brother
abraço
Confesso que mal comecei a leitura, me ocorreu um nome: Herberto Helder. Percebi que é um autor que também aprecia. Penso, por isso, que percebeu a dimensão do elogio.
ReplyDelete:) as coisas que escrevemos quando gostamos, nem que seja de escrever!
ReplyDeleteÉs um miudo lindo!
Beijo_doida
Quem vê caras não vê corações. É mesmo o teu caso. Não que esteja aqui a dizer que és feio : ), mas sim que o que te revelas é bem mais opaco do que a sensibilidade poética e apaixonante que revelas...
ReplyDeleteBem, adiante.
Vou fazer uma homenagem a este teu texto no meu blog www.impressoespessoais.blogspot.com simplesmente porque é maravilhoso e quero partilhar com os meus amigos. Espero que não leves a mal, se assim for por ser demasiado pessoal (mas se fosse não estava na net certo?) manda-me um post e eu retiro imediatamente.
PS: Sim conheceste-me mas foi em trabalho e é natural que não te lembres de mim, mas isso não é importante. Continua a escrever! Bjs
Susana
Sem palavras. Só posso dizer que é lindo, capaz de derreter qualquer gelo, qualquer dúvida, qualquer não.
ReplyDeleteNa verdade, no quarto que imaginaste, ela esteve lá! Podes continuar a entrar devagarinho que ela vai sentir-te chegar.
ReplyDeleteÉ um texto muito bonito, sem dúvida.
ReplyDeleteObrigada por estes bons momentos de leitura.
Muito bonito este teu registo de escrita. Presenteia-nos com mais coisas boas parecidas com esta. Faz bem ao coração. Um beijinho!
ReplyDeleteescreve mais. beijo
ReplyDeleteImaginação ou amor? Seja qual for, esta muito bem imaginado (ou sentido).
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