Tuesday, July 08, 2014

Balanço Vital, com o editor João Paulo Cotrim, no Jornal Metro



Enjoo em terra com o balanço, mas no mar nem por isso. Estranho? Sou mais árvore que pássaro, pelo que não sei se deva escolher relâmpagos e trovões para estas contas ou a suavidade de um olhar, a preguiça da sesta, o sublime momento da dúvida, as primeiras vezes: gole de cerveja, beijo, livro folheado, pão de forno, entrada em redacção, gargalhada de puto. 

Como convém, há que ceder ao dramatismo.

5 factos acontecidos

1. Vi a chegada à Lua em directo e logo ali descobri uma vocação, que era magro e não me dava mal com as matemáticas. Um certo professor, contudo, e no âmbito do programa curricular, deu-me a conhecer um tal de Fernando Pessoa, jaz morto mas não arrefece. Até já tinha lido poesia, mas nunca tinha lido poesia. Não mais me livrei dela, apesar de ainda ter continuado a achar durante anos que podia ser astronauta. Têm sido os versos a levar-me à lua e a prender-me à terra. A enterrar-me.


2. Só escrevi um fado, mas quando ouvi pela primeira vez o António Zambujo a cantar a minha delirante infância pensei por momentos que a vida podia fazer sentido, breve é claro. Breve o sentido e a vida, que a poesia só ensina a cair. Fado do Homem Crescido, escrito para o filme de animação homónimo que o Pedro Brito realizou, diz com imagens e sons e palavras que a amizade é impossível, pelo que estamos condenados à solidão. Ora nada mais vale senão a amizade.

3. Gastei muita fita e vinil a agarrar-me aos Waterboys, The The, Tom Waits e Sérgios Godinhos desta vida, aumentando os dias, que o vinil trazia horas e aumentava ao limite as nossas noites. Mas o relâmpago aqui foi ter na mão e no ouvido o ipod, razão pela qual o hominídeo desenvolveu o polegar. Aquilo deu finalmente resposta a toda a curiosidade que ia da vertigem de Glenn Gould aos electro-absurdos de Kraftwerk, dos Velvet Undergound às Vozes Búlgaras, 
que acabei por ouvir em casa delas. Melhor do que o ZX Spectrum, muito melhor.

4. Por causa do Tintim descobri os livros e as imagens. Andei meses, ao que parece, sem largar o mesmo álbum. Em páginas semelhantes fui vendo como eram os corpos delas, por exemplo, 
que foram tantas as utilidades. E depois, certo dia, com a cumplicidade de um político que sabe ler, trouxe a Lisboa José Muñoz, para que o seu trabalho político e artístico perturbasse o 
museu da cidade. Ora sentar-me à mesma mesa abriu-me a cabeça para a parte oculta de um icebergue chamado banda desenhada. Voando abaixo dos radares e usando as mais belas das artes leva longe o desejo.

5. Aprendi a fazer aguardente, por razões que não cabem aqui, mas a descoberta do uísque, começando pelo irlandês Bushmills, voltou a abrir-me a gaveta do espiritual. Nada dá mais acesso a nós e aos outros, nada abre portas e janelas, constrói pontes e catedrais como o álcool. Aprendi a ler nesse instante, vi os palcos que havia de pisar, os textos que assinei para outros desenharem. Descubro passados em cada gole, vejo o futuro. E bebo o presente. 

5 fados por acontecer
- Manter aberta a boca do abysmo.
- Ganhar tempo para fazer nada. 
- Voltar a habitar um quinhão do Alentejo.
- Cozinhar todos os dias. 
- Aprender a dançar.

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