Wednesday, February 23, 2011

O Amor Está no Desemprego




Era previsível que isto fosse acontecer e aconteceu. O amor está também no desemprego e engrossa as filas enormes que vão dando a volta aos prédios. O amor está na fila, cabisbaixo, a pensar na vida ou possivelmente na falta dela. Dizem que tem a ver com a crise a nível global, mas quer-me parecer que em Portugal o que quer que seja, é sempre ajustado à nossa realidade. Nada é global em Portugal, mesmo a globalização tem uma versão nossa. Por mais que abram franchising. Tem que haver a nossa mão, tem que haver cozido à portuguesa uma vez por semana, tem que haver Amália, tem que haver o nosso jeito, mesmo que seja só para o retoque final. E talvez por isso, exista um amor português. Que está justamente no desemprego como o outro. Mas este é nosso. E por isso nos dói.

O amor em Portugal está então como se vê e a culpa foi da alteração do modelo de contrato de trabalho que até então vigorava e que nestes últimos tempos – por causa desta maldita crise – foi perniciosamente alterado. Eu sou desse tempo, do tempo em que quando se amava alguém, imediatamente se erguiam as canetas, os papéis na mesa e nos comprometíamos a amar-nos uma vida inteira, recebendo por isso todas as regalias inerentes a um contrato de trabalho, que nos garantia a imediata pertença ao quadro da empresa, garantindo assim subsídio de Natal, férias, segurança social, essas coisas.

Só que essas coisas alteraram-se. E do mesmo modo que se instalou a mania do trabalho precário, logo vingou o amor precário. E quantos mais contratos se celebravam a recibo verde, mais amor a recibo verde existia. De tal modo, que progressivamente o amor se transformou num trabalhador intermitente que nunca sabe se tem ou não trabalho, embora toda a gente diga que o amor dá. Isso era dantes, bons tempos em que amor dava trabalho, agora não dá nenhum. E é justamente por isso, que está no desemprego.


P.S. – Esta é a minha última crónica para o jornal Metro. Quero agradecer a todos os directores deste jornal e a toda a sua redacção pela sua inesgotável paciência, a todos os seus leitores pelos seus amáveis comentários e todas as leitores pelas graciosas fotografias que me foram enviando das suas férias de Verão. A todos, o meu amor que sabemos ser imenso. Obrigado.


Fotografia by Red Star.

5 comments:

  1. é com muita tristeza que recebo a noticia q esta é a tua ultima crónica, todas as quartas espero ansiosa por elas.
    por favor nao deixes de escrever, e de postar os teus textos por aqui.
    Adoro as tuas crónicas, a tua escrita é algo que realmente me inspira.

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  2. Gostei tanto que "roubei" o último parágrafo. Se estiver tudo bem, mantenho. Se não, retiro-o.

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  3. Alvim passei a faculdade a andar de metro e a ansiar pelos dias em que lia a tua crónica, depois comecei a trabalhar e continuava a andar de metro :) mas sempre a ler a tua crónica, agora tenho carro, mas ontem por acaso consegui um exemplar do metro e foi com muita tristeza que vi que era a tua última participação, vou ter de seguir agora no teu blog. O teu texto está simplesmente fantástico, parabéns e um grande abraço. Força nisso camarada!

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  4. Eu adoro o jornal Metro... se não fosse esse jornal eu também estava no desemprego.

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