Wednesday, December 22, 2010

Judas!




Faltam 10 dias para este ano acabar e eu tenho pena. Um ano que acaba é sempre alguma coisa que desaparece e eu lamento que me desapareçam os anos por mais que me digam o contrário. Um ano quando chega ao final, morreu. É esta a verdade ponto. Faz-se a extrema unção, chora-se quando este já estrabucha e agita as pernitas em agonia, mas não há muito mais a fazer.

Quando um ano parte é como se alguém que nos é chegado fosse viver para a nova Zelândia. E na despedida, por mais que digamos que tudo se manterá igual não vai ser igual, que falaremos tanto ou mais vezes não vamos falar, que a distância não será de todo um factor de inibição mas vai ser sim, que pelo contrário, a distância e as saudades que já ali sentimos um do outro,se encarregarão de nos manter juntos não vão manter nada juntos. E sendo assim, é o que se sabe, os dias encarregam-se de fazer o resto e há medida que aumentam, parecem distanciar-se propositadamente dos anteriores, como se não os conhecessem. Os dias novos são assim, cheios de John Travolta e brilhantina, dançando em cima do balcão, esticando o dedo ao alto, sem que em nenhum momento, se tenho lembrado do seu antecessor, do velho ano, de pé no autocarro. É este o problema, o autocarro ir cheio de dias novos em algazarra enquanto os velhos, sossegados e quietos, já nem sequer dizem em tom ácido “esta juventude!”.

A culpa nem sequer é do ano novo. É nossa. Nós é que somos os dias novos, nós é que somos o ano novo, nós é que somos os primeiros a não darmos o lugar ao ano velho e aos dias velhos, quando estes estão em pé, ao nosso lado, no autocarro, tratando o ano que passou como roupa velha, como restos de comida de ontem em tupperwares no frigorífico.

As pessoas pensam que se lembram mas ninguém se lembra dos anos. De vez em quando acredito possa haver um ao outro, normalmente porque o associamos a uma tragédia ou a um acontecimento que de algum modo possa ter marcado a nossa vida, mas todos os outros - que serão obviamente em maior número -nunca serão recordados. Eu choro por cada ano que passa e gostava que não acabassem nunca. Por mim ficava muito bem neste para sempre mesmo que as outras pessoas quisessem seguir com outros. Sem um travo de culpa, sem o mínimo de ressentimento. Judas!


3 comments:

  1. Excelente post, Alvim.
    Não são poucas as vezes que também penso nestes termos. Olho para trás e vejo que há anos que não têm repercussão na minha memória. É pena.
    Mas depois penso que o tempo é uma invenção humana, nós é que damos nome e ordem aos anos.

    ReplyDelete
  2. Epá, muito bom. Parece que estavas dentro da minha cabeça quando escreveste isto e eu próprio não o diria melhor.

    ReplyDelete
  3. Grande verdade!!Gosto particularmente deste pormenor "De vez em quando acredito possa haver um ao outro, normalmente porque o associamos a uma tragédia ou a um acontecimento que de algum modo possa ter marcado a nossa vida, mas todos os outros que serão obviamente em maior número, nunca serão recordados"...não é que comigo acontece sempre isso?
    Felizes então daqueles que não comemoram a passagem de ano...ou passam-na literalmente a dormir...será que assim não se apercebem de que o ano mudou e vivem como se nada tivesse acontecido?Quem sabe não será esse o segredo para não deixar esquecidos os "anos passados" ou mesmo para não "sofrer" no final do mesmo.
    Devemos arriscar?Toca dormir na passagem do ano...a ver se resulta ;)
    Saudações bracarenses.

    ReplyDelete